sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Minha querida, nunca você escreveu uma carta tão doce para mim. Nem quando iniciávamos o namoro (?). Bowie é raro porque muitas vezes compõe com alma de mulher para a alma da mulher. E acho que é por isso que nos mundos todos ele é idolatrado pelo mulherio em profusão. E ao se revelar uma garota, hoje, agora, neste momento, você ganha mais um ponto em meu caderninho porque, de certa forma, eu me revelei menino em minha carta mais recente. Aquela do tiê sangue, que uns escrevem com e outros sem hífen. E, menina e menino se encontraram num texto que poderia ser único.

Eu estava chegando ao aeroporto hoje e vi um homem chorando na calçada. Terno, gravata, mala de grife, sem óculos. Chorava copiosamente num ponto de táxi. Eu pensei no menino, na garota e na coragem. Que coragem daquele sujeito, jorrando em via pública como se estivesse trancado a sete chaves em seu quarto. Não o cumprimentei porque seria uma intervenção brusca e até boçal no estado emocional dele, mas deu vontade. Deu vontade porque, por mais que eu tente, não passo de um trem de carga de nós na garganta. Dia desses, sobrevoando o Atlântico, a mais de 12 mil metros de altitude, vi no horizonte um navio solitário. Aquela imagem me jogou lá na minha infância, cheia de navios de aço e barquinhos de papel e imediatamente veio o nó na garganta. Mas eu estava no comando da aeronave, o co-piloto cochilava e o engenheiro lia uma revista de amenidades. Tá, tá certo, estávamos no piloto automático, mas o excesso de responsabilidade deletou meu desejo de liberar as lágrimas. Como você escreveu "a aurora seria triste em nossa homenagem" porque quando as lágrimas jorram demoram a parar. Rompem o crepúsculo, a noite, a madrugada até surgir a aurora, com seus tiês sangue, David Bowies e sabiás.

Sim, eu preciso de muitos galhos para pousar. Você sabe disso. Você escreveu isso. Ironicamente esses jatos que piloto precisam de uma única pista, longa, reta. Só isso. Só isso não! E muita perícia da tripulação. Às vezes transporto esse procedimento para a vida e começo a achar que devemos viver com perícia e competência. Mas, ora porra, o que será viver com perícia e competência? Certo, viver a liberdade de um tiê sangue significa romper com o absoluto, com o tempo lógico, aquelas coisas que Camus escrevia. Mas por que tão poucos conseguem bancar essa liberdade? Por que tememos tanto a chegada do boleto cobrando consequências finais? Minha menina, eu voo, voo, voo, pensando, pensando, pensando. Especialmente em você. Beijos, Tony.

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