quarta-feira, 16 de março de 2011

Quantas máscaras é preciso para construir um desejo. Ou. À custa de quantas concessões se permite chegar um à fronteira do outro. Quando julgamos ter passado um limite, mergulhamos, na verdade, em mais um engodo, outro jogo de espelhos a refletir nossos próprios segredos. E medos.

Eu encarno a mulher que quiser, Tony, para você. A devoradora de homens, a devoradora de mulheres, a casta sapata marrenta servil. Do jeito alucinado que o amo, seria capaz de representar até a mim mesma.

E me desespero ao imaginar que você poderia não distinguir a verdadeira da falsa. E se apaixonar pela “persona” a ponto de eu me perder de mim. Só para amá-lo ainda mais.

Preciso de você para saber quem sou, você sabe. Para saber, inclusive, de que teor é a minha libido: prostituta, ferina, blasé?

Visualizá-lo se masturbando pensando em mim... seja onde for... faz minha vaidade feminina se encher de ares exóticos, olhos e boca delineados com os líquidos que saem de suas fantasias carnavalescas. Eu, a mulher que o leva a se masturbar... e quanto mais visualizo isso, mais meu olhar se inflama e minha boca entreabre... Sim, goza, meu amor...

Goza sem mim.

Sua, Dolores.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Dolores, minha (?) querida (?). Sábado de Carnaval, 4 horas da tarde. Estou em Madureira e meu bloco já terminando de se alcoolizar pra sair. Aproveitei que uma amiga está de laptop (ela é médica do Corpo de Bombeiros) e decidi escrever, daqui, da cratera dos vulcões da alegria onde reina o aroma de hormônios. Bateu saudade de você. Logo a imaginei lendo Sartre, ou assistindo a depressivos filmes do gênero "A Festa de Babette", como você costumava fazer em feriados chuvosos.

Não gosto de banheiros químicos. Balançam, parecem que vão cair, mas fazer o que? A saudade de você foi tanta que entrei em um deles com a intenção de me masturbar. Foi quando me deparei com três problemas: 1 - Já bebi muito rum. Se gozar vou querer deitar sob uma marquise e dormir; 2 - A fila está grande e você sabe (sabe?) que eu demoro a gozar: 3 - Você não merece que eu corra esse risco, pois amanheceu este ano de 2011 como uma fundamentalista islâmica, uma lacerdista.

Li suas duas cartas e senti o manto do moralismo pendurado em seus varais. Logo você, com quem rolei ruas e avenidas cruzando, uivando, chutando baldes e mais baldes politicamente corretos. Sente falta de quem a nomeie? Pois, aceite carinhosamente meu rótulo: lacerdista. Está bom assim, minha ex-aiatolá? Ah, que bloco de Carnaval estou enfiado? É aquele, aquele mesmo que você me dizia "vai Tony, vai ver seus amigos", mas na volta me dava uma geral. Como um PM não corrupto.

Dolores, desculpe se algumas palavras estão erradas, mal escritas ou tortas. Muito barulho aqui. Muito rum, mulher seminua, apesar da garoa e da temperatura relativamente baixa. Prometo que dedicarei a você todas as marchinhas de duplo sentido que a banda certamente vai cantar nesse ralí que faremos até a Cinelândia. Sim, Dolores, Madureira-Cinelândia sem escalas. Mas, minha amiga médica dos Bombeiros estará na ambulância acompanhando com seu laptop e, assim, você terá como me responder até quarta-feira de cinzas.

Quanto a sua dignidade, nunca questionei. Ela apenas involuiu para um estado mais talibã de ser, mas isso não é conversa para Carnaval. Beijos do Tony.

terça-feira, 1 de março de 2011

O pior de tudo não é nem a ausência de palavras, se quer saber. Viver sem elas é fácil, quase um carinho.

O ruim mesmo é a falta de quem me nomeie. Esse cretino outro, intempestivo outro.

A subir barricadas ou avistar clareiras na mata escura e tortuosa do ser que implora ao desconhecido: "por miserircórdia, diga o meu nome".

Reconhecer-se.
ou
mudar de tom. De conversa.

Ou ainda. Se assim julgar melhor, continuar na mesma lenga-lenga de sempre: acordar dormir acordar de novo.

Pois quem disse que eu quero um amor? Ou quem disse que quero morrer?

Eu quero apenas ser quem sou.
A dor de Dolores. A dor.

E se você perguntasse agora o que quero da vida, eu lhe diria com estatura e peso:
Dignidade.

Mas quem me dará?
Você?
Não, meu amor. Nem você nem ninguém.

Então quem? Você perguntaria?
A escrita, eu lhe diria.

A própria escrita de mim.


Madrugada de terça
Brisa fresca em
01/03/2011