sexta-feira, 27 de maio de 2011

A lealdade de um homem dá mais poder a uma mulher do que menstruar ou, no extremo oposto, gerar vida. Filhos mamam, desmamam e, depois, vão viver seus destinos. Já meu homem, não. Meu homem fará juras de amor até no leito de morte.

E é esta certeza que me dá altura e peso.

Que me faz olhar as mulheres que empunham drinks de vodga a sua volta e, simplesmente, ignorar. Praticamente inexistem.

E esta certeza é tão forte... tão forte, meu querido, que nem me importa muito, se quer saber, tê-lo em minha cama ou não. Fator secundário.

Dou de ombros e sigo tranquila porque o tenho.
Sim, eu o tenho.

Enquanto escreve distraído suas anotações diárias, você é meu. Quando desce à padaria para comprar pão e leite de manhã, também é meu. Se respira ou tosse, idem.

Esteja onde estiver, com quem quiser, da maneira que bem entender... é dentro de mim que está.

Dentro!

Pode fingir à vontade... fazer que não vê... usar de toda artimanha possível! Isto só serve para fortalecer ainda mais a minha certeza. A que, francamente, querido, você não me esquece.

Não-me-esquece.
Sua,
Dolores

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Se não nos anistiarmos o mundo não terá a generosidade de fazê-lo. Pois eu anistio você, anistio a mim, anistio todos os bentevis que nos cercam quando o outono se revela verão e o verão se traveste de primavera. Assim são os países tropicais. Assim somos nós, tropicalistas de araque, vagabundos, poetinhas...Não, prometi que iria anistiar nossos sonhos interrompidos e não jogá-los em moinhos de trigo que nem pães vão gerar. Não sei como aquele bilhete escapou. Eu estava numa anti-sala, em jejum, ia doar semem e, talvez por nervosismo, solidão, sei lá o que, escrevi aquilo. Aquilo que prometi a você que jamais escreveria porque, porque, porque o que não acontece não é história. A história é feita de fatos e não de idéias e nossos fatos são abastados, concorda? Concorda que estamos escrevendo essa vida com V maiúsculo. Não, eu não queria deixar esse bilhete na portaria do seu trabalho com a canção do Macalé, Jards na cabeça. Movimento dos Barcos, a que você deixou escrita para mim no dia em que me deixou. Porque...porque é triste. E nós não somos tristes, apesar do seu poema, belo e triste. Que confusão. Beijos.



Estou Cansada

E Você Também

Vou Sair Sem Abrir A Porta

E Não Voltar Nunca Mais

Desculpe A Paz Que Lhe

Roubei

E O Futuro Esperado Que

Nunca Lhe Dei

É Impossível Levar

Um Barco Sem Temporais

E Suportar A Vida Como Um

Momento Além Do Cais

Que Passa Ao Largo Do

Nosso Corpo

Não Quero Ficar Dando

Adeus

As Coisas Passando

Eu Quero É Passar Com Elas

E Não Deixar Nada Mais Do

Que Cinzas De Um Cigarro

E A Marca De Um Abraço No

Seu Corpo

Não, Não Sou Eu Quem Vai

Ficar No Porto Chorando

Lamentando O Eterno

Movimento Dos Barcos.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Ao filho que não tivemos
A saída do colégio que jamais viverá
O uniforme passado que não deixarei sobre a cama
A autorização do passeio que não assinarei


Ao filho que não tivemos
Nenhum beijo roubado na porta da escola
Nenhum show de rock
Ou bronca
no seu primeiro porre.

Ao filho que não tivemos, meu amor
Minha apreensão em noite febril
Cobertor, suadouro
O banho morno
Troca de fronhas, lençóis

Ao filho que não tivemos
O nome que imaginei mas não lhe dei
E a espiada entre as cortinas
Ao leve ronco de motor na garagem

Ao filho que não tivemos
Nenhum mico ou saia justa
Dos embalos pueris da puberdade
Nem fossa ou bagulho em quarto trancafiado

Ao filho que não tivemos
Nem jantar nem papinha
Nem foto, bolo de aniversário
Ano Novo ou Natais

Ao nosso filho
Nosso rebento

Apenas meu amor
Todo o meu amor

Em meu ventre vazio
Seu esperma guardado
....................................

E meu pedido de perdão
Pietá ao contrário.





Em 22.04.11
Sexta da Paixão
Você estava com os olhos mais marejados dos que os de Capitu quando me revelou tudo aquilo, à sombra daquela árvore na Quinta da Boa Vista. Principalmente quando abriu a bolsa, pegou um envelope onde estava escrito "positivo" no papel timbrado. Estava comovida porque eu falei de meu amor por você, meu amor por mim, meu amor por nossos filhos, que planejamos ter, criar, perpetuar nossa espécie, enfim. Tudo ia bem naquela manhã/tarde, quando pegamos o pedalinhos e singramos o pequeno lago da Quinta contando nossa própria história. Depois, comprei uma pipa e pus no ar, bem alto, celebrando o fato de sermos mãe e pai em breve.

Quando voltamos para casa, em silêncio no táxi, tive o ímpeto de perguntar "em que você está pensando?", mas a presença do motorista me inibiu. Ele poderia achar que sou um homem controlador, fascista afetivo, essas coisas, e não apenas momentaneamente curioso. Você levava nas mãos um buquê de flores que comprei daquele sujeito que ficava ao lado do vendedor de algodão doce. "Tony, sua elegância me comove", você disse. Fiquei sem jeito, perguntei se iria chover e acariciei seu ventre. Aí, durante a semana, o fato novo. Você decidiu tirar a pipa do ar e, com ela, meus sonhos, perspectivas, aquela blá blá blá todo. Prometi te compreender, te entender, acompanhar seu raciocínio. Tentei, mas....não deu. Beijos.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Ah, meu querido, agora eu me rendo porque dessa vez você trouxe às entrelinhas lembranças realmente felizes. Márcia Flores... minha doce e inseparável prima de carnavais e acampamentos. A quem ensinei a beijar como manda o figurino e a notar os rapazes com olhos de águia.


Dito e feito, deduziria um desavisado.



Mas, não. Quer por azar quer por ironia dos contextos, Flores foi parar em mãos desajeitadas e inexperientes e, desiludida dos alardeados dotes masculinos, já quase debandando para o outro lado do prazer, foi iniciada por você, meu amor. Sim. Eu disse a ela que lhe daria um homem de presente e foi com indescritível felicidade que o dei, assim... como quem oferece um licor. E saboreei cada momento daquela noite voyeur. Bebi va-ga-ro-sa-men-te cada cena.


Perfeita. Como foram perfeitas nossas madrugadas clandestinas, repletas de becos, marquises, ruas sem saída, luzes sorrateiras. Éramos dois perdidos farejando inferninhos. Praticamente uma gangue. Exatamente isso, Tony: uma gangue. Não sei em que letra de minha carta você entendeu que nosso sexo não era, ele também, parte central de nossa história. Era, meu amor. É. Caso contrário, eu não seria a Sua Dolores. Sou. Sua.
Dolores, acabei de ler sua resposta. De novo, uma bronha. De novo sua imagem real, sua seiva, seu hálito, o colo do seu útero estufado e pedindo mais, mais, mais a minha glande. Vontade de pegar você agora, mamar sua boca, lambuzar seus seios, cruzar com você até o sábado de aleluia. Mas, estou em Maricá demarcando uma Área de Proteção Ambiental. Não, não é nenhuma metáfora relacionada com uma garota virgem. É uma APA mesmo.


Percebo que minha saudade aumenta. Sinto pelo zíper da calça que, forçosamente, tenho que abrir. Também te amo. Sinto pelas frases curtas cheias de pontos. Ponto. Também te clamo. Aliás, até agora não entendi porque paramos de nos embolar nas restingas espinhosas, como gostávamos de fazer. Passamos a nos levar a sério e, eu sempre gritei, que levar amor e sacanagem a sério brocharia até o mais tarado dos escravos reprodutores de Isabel, a princesa.



Provavelmente você sequer sabe onde moro atualmente. Aliás, para ser franco, nem sei se você vai receber essa minha resposta porque estou usando internet 3 G que, como se sabe, é uma joça. Mas, não custa tentar. Tentar é o que mais fiz e faço com você. Tentar ser seu amante, concubino, já que não tive a oportunidade de desvirginá-la como sempre desejei. Certo, você me deu aquela sua prima de Itaperuna para compensar, ficou na poltrona assistindo, tudo bem, mas eu queria que fosse você. Sua prima é gostosa sim. Não vou cuspir no hímem que rompi, mas mais do que você não há. Porque somos porcos. Ambos. Só pensamos em sacanagens que fariam corar até Rabelais.



Mas, caímos na vidinha. Posso falar, Dolores? Posso mesmo? A grande verdade é que paramos de foder e passamos a fazer amor. Largamos as delícias da escada de serviço e entramos no elevador social. Destrepamos tudo. Não estou dizendo que o sexo é a base de uma relação. Estou afirmando! É bem diferente. Sem sexo, nada é possível. Nada. Com sexo, tapa na cara faz golfar, xingamentos se tornam poemas, coito anal eventualmente vira prato principal e o amor...O amor brota daquela poça que fica no meio da cama. Poça branca, meio magenta, com cheiro de liberdade. Volte! Tony.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Quantas máscaras é preciso para construir um desejo. Ou. À custa de quantas concessões se permite chegar um à fronteira do outro. Quando julgamos ter passado um limite, mergulhamos, na verdade, em mais um engodo, outro jogo de espelhos a refletir nossos próprios segredos. E medos.

Eu encarno a mulher que quiser, Tony, para você. A devoradora de homens, a devoradora de mulheres, a casta sapata marrenta servil. Do jeito alucinado que o amo, seria capaz de representar até a mim mesma.

E me desespero ao imaginar que você poderia não distinguir a verdadeira da falsa. E se apaixonar pela “persona” a ponto de eu me perder de mim. Só para amá-lo ainda mais.

Preciso de você para saber quem sou, você sabe. Para saber, inclusive, de que teor é a minha libido: prostituta, ferina, blasé?

Visualizá-lo se masturbando pensando em mim... seja onde for... faz minha vaidade feminina se encher de ares exóticos, olhos e boca delineados com os líquidos que saem de suas fantasias carnavalescas. Eu, a mulher que o leva a se masturbar... e quanto mais visualizo isso, mais meu olhar se inflama e minha boca entreabre... Sim, goza, meu amor...

Goza sem mim.

Sua, Dolores.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Dolores, minha (?) querida (?). Sábado de Carnaval, 4 horas da tarde. Estou em Madureira e meu bloco já terminando de se alcoolizar pra sair. Aproveitei que uma amiga está de laptop (ela é médica do Corpo de Bombeiros) e decidi escrever, daqui, da cratera dos vulcões da alegria onde reina o aroma de hormônios. Bateu saudade de você. Logo a imaginei lendo Sartre, ou assistindo a depressivos filmes do gênero "A Festa de Babette", como você costumava fazer em feriados chuvosos.

Não gosto de banheiros químicos. Balançam, parecem que vão cair, mas fazer o que? A saudade de você foi tanta que entrei em um deles com a intenção de me masturbar. Foi quando me deparei com três problemas: 1 - Já bebi muito rum. Se gozar vou querer deitar sob uma marquise e dormir; 2 - A fila está grande e você sabe (sabe?) que eu demoro a gozar: 3 - Você não merece que eu corra esse risco, pois amanheceu este ano de 2011 como uma fundamentalista islâmica, uma lacerdista.

Li suas duas cartas e senti o manto do moralismo pendurado em seus varais. Logo você, com quem rolei ruas e avenidas cruzando, uivando, chutando baldes e mais baldes politicamente corretos. Sente falta de quem a nomeie? Pois, aceite carinhosamente meu rótulo: lacerdista. Está bom assim, minha ex-aiatolá? Ah, que bloco de Carnaval estou enfiado? É aquele, aquele mesmo que você me dizia "vai Tony, vai ver seus amigos", mas na volta me dava uma geral. Como um PM não corrupto.

Dolores, desculpe se algumas palavras estão erradas, mal escritas ou tortas. Muito barulho aqui. Muito rum, mulher seminua, apesar da garoa e da temperatura relativamente baixa. Prometo que dedicarei a você todas as marchinhas de duplo sentido que a banda certamente vai cantar nesse ralí que faremos até a Cinelândia. Sim, Dolores, Madureira-Cinelândia sem escalas. Mas, minha amiga médica dos Bombeiros estará na ambulância acompanhando com seu laptop e, assim, você terá como me responder até quarta-feira de cinzas.

Quanto a sua dignidade, nunca questionei. Ela apenas involuiu para um estado mais talibã de ser, mas isso não é conversa para Carnaval. Beijos do Tony.

terça-feira, 1 de março de 2011

O pior de tudo não é nem a ausência de palavras, se quer saber. Viver sem elas é fácil, quase um carinho.

O ruim mesmo é a falta de quem me nomeie. Esse cretino outro, intempestivo outro.

A subir barricadas ou avistar clareiras na mata escura e tortuosa do ser que implora ao desconhecido: "por miserircórdia, diga o meu nome".

Reconhecer-se.
ou
mudar de tom. De conversa.

Ou ainda. Se assim julgar melhor, continuar na mesma lenga-lenga de sempre: acordar dormir acordar de novo.

Pois quem disse que eu quero um amor? Ou quem disse que quero morrer?

Eu quero apenas ser quem sou.
A dor de Dolores. A dor.

E se você perguntasse agora o que quero da vida, eu lhe diria com estatura e peso:
Dignidade.

Mas quem me dará?
Você?
Não, meu amor. Nem você nem ninguém.

Então quem? Você perguntaria?
A escrita, eu lhe diria.

A própria escrita de mim.


Madrugada de terça
Brisa fresca em
01/03/2011

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Será que preciso mesmo responder a sua pergunta? Você me conhece melhor do que eu para saber por que não surfei nas ondas de minhas duas (agora ex) amigas. Precisaria? Creio que não. Seria redundante e desnecessário.

O que me faz lembrar um namoro da adolescência mal resolvido. Namoro sem sexo. Eu doida pra surfar na onda dele... Lindo... lindo de morrer. Imagina George Clooney com 18 anos e sarado do exército. Imaginou? Ele era melhor.

Até que, um belo dia, nossa melhor amiga – a que nos apresentou, a pedido dele – me contou algo que ele havia comentado. O que para ela soava normal, para mim foi como um soco entre os olhos. Comentário que demonstrava, de forma deprimente, o quanto ele estava distante e o quanto me desconhecia.

Passou.

Anos mais tarde, ele recém-separado e eu ainda sem você fomos surfar juntos um a onda do outro.

Desastre.

O George Clooney desejado por tantas e que levara umas tantas outras pra surfar, o melhor dos melhores... veja você, não sabia me surfar. Só sabia surfar a onda dele... ah, e fazer pose, muita pose.

Mas veja ainda você, Tony. Somos amigos até hoje. Confidentes mesmo. Camaradas.

Moral da história: quando o assunto é sexo, conjeturas não valem de nada. É o que é. Meu Clooney não era. Minhas duas amigas, então, jamais foram.

Moral da história II, honey: no meu sexo, o amor é prato principal.
Sua, Dolores.
Querida (?) Dolores, vi sua cartinha. Vi e li. Está lá "devo me escangalhar de rir ou refletir com atenção aos detalhes?". Faça o que quiser. Você é livre. Aliás, com relação a mim, sempre foi livre porque não gosto de mulheres submissas, anuladas, existencialmente capadas. Sinal de péssima cama, mesa fraca, vida inútil.

Você insiste com as lembranças, num momento em que sinto saudade do futuro. Sabe, quando terminei de escrever a última missiva, acabei me masturbando, "saindo na mão" como decreta a genialidade popular. Pensando em você, mas numa espécie do que seria se não fosse seu horror fóbico a ousadia. Ainda havia (há?) muito a fazermos e você deixou, por baixo, um milhão de gozos atirados na beira do caminho. Só me resta lembrar. E lembrar não é sofrer. Sofreguidão é escudo dos aflitos e incompetentes que a utilizam como arma branca. Prefiro as negras.

Quando você foi voyeur das duas amigas e diz que as perdeu para sempre, a explicação é tão banal, Dolores. O voyeur é um delator em potencial. Por que? Porque acaba comentando com seus interlocutores preferidos. E mesmo sem citar nomes, acaba delatando. Menage é como o mar, feito para mergulhar, nadar, mas muitas vezes afoga. Por isso, escolher a praia é fundamental. Até hoje não entendi porque você não surfou a onda das suas amigas, partiu pra cima, pra baixo, pra dentro, pra fora. Não entendi, não entendo e nem entenderei. Mais: você sequer pensou em traze-las para a nossa cama, alegando, de novo, medo de um rali sexual.

Ora, Dolores, a vida é do cacete e eu continuo amando você. No fundo (e no raso) você sabe disso. Mas não parei na esquina esperando um ônibus provável que ninguém sabe se passa por ali ou não. Nunca fui de ficar ronronando assuntos, lambendo pelas beiradas. Quando te PROPUS DIRETAMENTE um menage você esguichou no ato. Sei porque estava lá dentro. Você ameaça me odiar se eu não calar a boca. Pois, odeie à vontade Dolores. Quieto não fico mais. Nunca mais. Tony.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

É preciso certo cuidado, meu doce e desajeitado Tony, quando dispomos pratos, copos, guardanapos e talheres à mesa. Os lugares para este ou aquele convidado... se usaremos flores ou velas... é uma arte.

Da mesma forma as lembranças.

Nem todas são fáceis de serem mexidas. Lembranças sobre experimentações sexuais, então, geralmente nos levam a uma inevitável dúvida: "devo me escangalhar de rir ou refletir com atenção aos detalhes?"

Vício psicanalítico - você sugeriria.

E eu responderia: talvez.

Não ser escrava de nada. Este foi sempre o meu ideal.

Mas, de você... O que eu não faria para agradar você? Só que quando nos damos conta de que aquilo que fizemos como presente generoso ao ser amado torna-se algo tão prazeroso que poderíamos viver sem ele - o ser amado, como não se assustar?

Como daquela vez em que me tornei voyeur de duas amigas e as perdi para sempre. A amizade, digo. Foi para o espaço. O vício de olhar, no entanto, foi mais difícil de lançar estratosfera a fora. Enfim.

Por essas e outras, meu querido, que prefiro não pensar muito nisso. No prazer de certos vícios. Porque entre me deixar levar por impulsos libidinosos e odiar você, prefiro abrir mão do primeiro.

Ou entenda de uma vez por todas. Prefiro não tê-lo a perdê-lo de vista. Ou, pelo menos, não da maneira como entende o que é ser possuído. Entende isto?
E isto também é amor.
Sua, Dolores.

Dolores, querida (?), em meus momentos mais barangosos costumo pensar coisas do tipo "como a camada de ozônio, agredida diariamente, o afeto também se encerra". Aí, você vai inquirir "Tony, por que guardou tanta mágoa? Por que não disse nada? Por que sofreu calado?" Nada disso, Dolores. Não guardei nada. Liberei tudo em tempo real, só que fora daquilo que uma vez, bêbada, você chamou de "nosso nicho". Sabe, naquela noite, embalado pelo odor de rum que transpirava de sua pele, quase gozei dentro de você com o sórdido objetivo de emprenhá-la. Palavreado grosseiro? Não. Palavreado "orgânico", dizem os mais modernos. Eu desejei ter um filho seu, quebrando toda a sua tabuada racional que se negava até pensar no assunto. Aí você abriu a porta. Saí. E a orgia existencial me tragou, inexoravelmente.


Suas perspectivas darwinistas em relação a mim eram como um cinema apagado. E sem filme na tela. Filhos? Não. Casar? Não. Benito de Paula? Não. Você implicava até com o Benito de Paula, cantor e compositor que eu ouvia entre Chopin e Wagner. Ouvia, não. Ouço. Ouço aos berros, porque depois que a princesa Isabel que reside em você assinou meu alvará de soltura eu sumi no meu mundo interior. Liberdade ainda que à tardinha, escreveu um poeta, acho que de Rio Bonito (RJ), quando lá estive para participar de um menage com duas amigas. Isso mesmo. Algum problema? Mais um preconceito? Então toma: mês passado assisti Benito de Paula ao vivo em Volta Redonda.


Você me criticava, TAMBÉM, pelo fato de ser apreciador de menage. Criticou tanto, policiou, vigiou, que acabei me viciando em menage, a ponto de estar pretendendo casar com duas, digamos, amásias bem próximas recentemente. Já checamos tudo e descobrimos que em Porto Rico a bigamia não é uma atividade fora da lei. E o mais curioso de tudo isso é que quando a conheci, doce Dolores, em nossas primeiras cruzas, você pedia para "conhecer" um menage. Eu acabei providenciando e, segundo você, foi um fim de semana inesquecível. Eu, você e minha distante prima sob o edredon, no chão da sala, na cozinha, 72 horas sem dormir. Quando ela foi embora, você me olhou forte e disparou "nunca mais quero fazer isso...é bom demais e posso me viciar". E depois, o viviado era eu. Gozada, você.


Sua vitimologia crônica era fascinante, mas depois enjoou. Mas, fato é, que mesmo debaixo de tanta neblina, eu ainda te amo. Vou cortar o cabelo. Tony.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011


Afetos não se encerram... De onde tirou isso, Tony, do hino à bandeira? Haha. Afetos mudam, viram outra coisa, mas não encerram, meu caro. Não, mesmo. O sinal indelével do que se viveu com a intensidade que nós vivemos fica. Fica, meu amor. Em algum canto esquecido da casa. No porta-luvas do carro... na emoção repentina de te ver sem ser vista... Entenda como queira. Mas, fica.

E, um dia, sem que estejamos procurando... enquanto organizamos papéis dentro do armário ou catando uma lanterna enguiçados na estrada, ele pula diante de nossos olhos feito uma aparição. Uma estrela. Um milagre.

Só os verdadeiros amantes encontram o que não buscam sem almejar. Só amantes como nós ultrapassam a vastidão do tempo não contado da própria história. A lógica, a moral do mundo que jamais abraçamos.

Essa história não cessa nem mesmo quando acaba, honey. Essa história não cessa nem quando nos afasta. Essa história não cessa, meu bem.

Essa história não cessa.
Sua, Dolores.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Dolores, o golpe da surpresa me deixou meio zonzo. Não esperava que você desse sinais. Nunca mais. Mas, como boa mulher, você é mais imprevisível do que a chegada de um tornado. Desses inexistentes, que rondam a baixada fluminense como se fossem reais. Tem cara de tornado, pinta de tornado, roupa de tornado, mas por razões científicos não são tornados.

Não vou negar que fiquei comovido com sua carta. Claro que fiquei. Especialmente quando você reabre meus sonhos, relembrando a cor púrpura do nosso amor, que foi ficando nublado, nublado e acabou sem chover. Dolores, não merecíamos acabar no mormaço que invade os onibus sem ar condicionado, os telhados de zinco, as paixões de amianto. Mas fato é que assim quisemos e assim concluímos nossa trajetória, por mais que você a chame de ciclo.

Você pergunta se lembro de nosso amor. Como esquecer esse flanco tão profundo em minha existência. Como esquecer de nossos beijos de verão, à sombra de árvores que abrigavam cantos de sabiás, bentevis e sanhaços, que pareciam celebrar conosco, enquanto que na calçada os olhos censores e repugnantes nos despiam com nojo, horror? Como esquecer? Claro que não, Dolores.

E se você tivesse descido do tal onibus e entrado no salão do barbeiro, surfando seus ímpetos adolescentes, eu reagiria emocionado. Claro que sim. Porque, como disse no início desta missiva, não esperava saber de você nunca mais. E se você trocasse uma leve dose de prosa comigo, poderíamos, em seguida, sentar num bar para não mais nos reconhecermos como os personagens que nós mesmos descrevemos em nosso passado. Não há mais sabiás, não há mais bentevis, não há mais árvores confortáveis e a Dolores e o Tony são outros. Ainda assim, são Tony e Dolores, com muita honra.

Durante anos você monopolizou meu coração. E sabe disso. Hoje, lendo sua carta, percebo que o monopólio se transformou em duopolio. Dolores e Dolores. Distintas, radicalmente diferentes, belas, gostosas e amantes. Definitivamente não há como interpretar, ao pé da letra, os códigos do sistema nervoso central quando o tema é afeto. Afeto que se encerra.
Beijos, Tony.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011


Eu o vi no barbeiro esses dias. Vi do ônibus. Sentado feito um menino enquanto um senhor de cabelos brancos preparava no balcão a navalha. Em outros tempos, teria saltado e lhe feito uma surpresa, esquecendo o trabalho, os compromissos... “que se dane a hora” - pensaria em outros tempos.

Mas, em vez disso, contive meus remotos ímpetos adolescentes e apenas olhei. Você sentado, de avental branco, se olhando no espelho com ar de menino que espera almoço que eu não preparei. Ah, esse meu maldito e irrefreável instinto maternal...

Por algum motivo que vá lá saber, Love, Reign O’er Me do The Who veio a minha mente como um raio. O refrão, a bateria final, a guitarra, os aplausos.

O ano em que fomos felizes.

A vitrola repetindo a faixa do vinil pra lá de surrado – presente de aniversário. A agulha penetrando o sulco, penetrando penetrando no mesmo ritmo alucinante do nosso amor. Tempos de amor no tapete da sala, na escada do prédio, encostada à janela escancarada, de madrugada, à mercê de vizinhos insones. À mercê de nós mesmos, suspensos, estátuas flutuantes no azul da escuridão. Os ponteiros emperrados do relógio.

O tempo parava pra nós. Lembra?

Naquele tempo, aliás, nem passava ônibus nessa rua. Nossa cidade era só nossa. Nossa, de mais ninguém. Quase não havia prédios... Lembra?

Lembra do nosso amor? Lembra?

Eu não esqueço.
Sua, Dolores.