quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Dolores, o golpe da surpresa me deixou meio zonzo. Não esperava que você desse sinais. Nunca mais. Mas, como boa mulher, você é mais imprevisível do que a chegada de um tornado. Desses inexistentes, que rondam a baixada fluminense como se fossem reais. Tem cara de tornado, pinta de tornado, roupa de tornado, mas por razões científicos não são tornados.

Não vou negar que fiquei comovido com sua carta. Claro que fiquei. Especialmente quando você reabre meus sonhos, relembrando a cor púrpura do nosso amor, que foi ficando nublado, nublado e acabou sem chover. Dolores, não merecíamos acabar no mormaço que invade os onibus sem ar condicionado, os telhados de zinco, as paixões de amianto. Mas fato é que assim quisemos e assim concluímos nossa trajetória, por mais que você a chame de ciclo.

Você pergunta se lembro de nosso amor. Como esquecer esse flanco tão profundo em minha existência. Como esquecer de nossos beijos de verão, à sombra de árvores que abrigavam cantos de sabiás, bentevis e sanhaços, que pareciam celebrar conosco, enquanto que na calçada os olhos censores e repugnantes nos despiam com nojo, horror? Como esquecer? Claro que não, Dolores.

E se você tivesse descido do tal onibus e entrado no salão do barbeiro, surfando seus ímpetos adolescentes, eu reagiria emocionado. Claro que sim. Porque, como disse no início desta missiva, não esperava saber de você nunca mais. E se você trocasse uma leve dose de prosa comigo, poderíamos, em seguida, sentar num bar para não mais nos reconhecermos como os personagens que nós mesmos descrevemos em nosso passado. Não há mais sabiás, não há mais bentevis, não há mais árvores confortáveis e a Dolores e o Tony são outros. Ainda assim, são Tony e Dolores, com muita honra.

Durante anos você monopolizou meu coração. E sabe disso. Hoje, lendo sua carta, percebo que o monopólio se transformou em duopolio. Dolores e Dolores. Distintas, radicalmente diferentes, belas, gostosas e amantes. Definitivamente não há como interpretar, ao pé da letra, os códigos do sistema nervoso central quando o tema é afeto. Afeto que se encerra.
Beijos, Tony.

2 comentários:

  1. Que bom que vocêsvoltaram!
    Sentimentos sempre podem nos surpreender.
    beijos,
    Raquel

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  2. Dói-me saber que nesse aquecimento global de paixões fúteis não haja espaço para Tonys e Dolores se amarem, ainda que sob a égide das paixões de amianto.

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