terça-feira, 25 de janeiro de 2011


Eu o vi no barbeiro esses dias. Vi do ônibus. Sentado feito um menino enquanto um senhor de cabelos brancos preparava no balcão a navalha. Em outros tempos, teria saltado e lhe feito uma surpresa, esquecendo o trabalho, os compromissos... “que se dane a hora” - pensaria em outros tempos.

Mas, em vez disso, contive meus remotos ímpetos adolescentes e apenas olhei. Você sentado, de avental branco, se olhando no espelho com ar de menino que espera almoço que eu não preparei. Ah, esse meu maldito e irrefreável instinto maternal...

Por algum motivo que vá lá saber, Love, Reign O’er Me do The Who veio a minha mente como um raio. O refrão, a bateria final, a guitarra, os aplausos.

O ano em que fomos felizes.

A vitrola repetindo a faixa do vinil pra lá de surrado – presente de aniversário. A agulha penetrando o sulco, penetrando penetrando no mesmo ritmo alucinante do nosso amor. Tempos de amor no tapete da sala, na escada do prédio, encostada à janela escancarada, de madrugada, à mercê de vizinhos insones. À mercê de nós mesmos, suspensos, estátuas flutuantes no azul da escuridão. Os ponteiros emperrados do relógio.

O tempo parava pra nós. Lembra?

Naquele tempo, aliás, nem passava ônibus nessa rua. Nossa cidade era só nossa. Nossa, de mais ninguém. Quase não havia prédios... Lembra?

Lembra do nosso amor? Lembra?

Eu não esqueço.
Sua, Dolores.

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