domingo, 27 de dezembro de 2009

Está difícil de acreditar, mesmo com amor. Mesmo com saudade e desejo impensado de resgatar essa história, seja em que ponto do inferno ela esteja. Ás vezes bate preguiça, Tony. De começar do zero... uma nova tentativa. Mais uma.

E o perigo é esse mesmo: acostumar com a solidão, mesmo com amor.

Habituar-se a acordar no silêncio das manhãs de você com você mesmo... tomar o café calado, enquanto lê apático as mesmas velhas últimas notícias do jornal. Ou simplesmente reler os clássicos que o encantaram tanto na juventude e que hoje não passam somente de mais uma saudosa leitura. Bom reler os clássicos. Mas como resgatar o entusiasmo das letras belas, porém conhecidas?

Já vi esse filme tantas vezes.

Não acredito mais na possibilidade de ser feliz ao seu lado. Ou, talvez, não acredite mais na possibilidade de acreditar na possibilidade de ser feliz ao lado de quem quer que seja.

Talvez eu devesse só me concentrar nisso: em dançar. Aperfeiçoar minha técnica. Cada vez mais. Abrir uma escola. Passar meu conhecimento para a nova geração...

Esquecer de vez essa mania que as mulheres têm de querer ser a mulher de um homem.

Aprender a ser só. A acordar só. A tomar o café da manhã sozinha.

Aprender a ser. Só ser.

Beijos. Dolores.

Chegará o dia em que vou ouvir a porta da sala abrir de um jeito que só você sabe. Vou sentir seus passos, pés descalços, caminhando em direção ao quarto como que desbravando minhas relvas. Na cama, entregue a preguiça, fecharei os olhos simulando sono profundo só para ter o prazer de senti-la de volta, perceber seus movimentos ações, requinte. Você vai mexer em minhas coisas, com cuidado para não me "acordar". Mexer com carinho, cheirar minhas roupas, minha guitarra encostada no armário. Matando a saudade de peças que foram e são tão importantes em nossas vidas. Dolores, eu a quero de volta para viver plenamente esse amor que sinto por você, capaz (por que não?) de aliviar seus olhos secos. A meu ver, de solidão. Eu a desejo de volta porque com você as músicas parecem mais belas, o sol, as estrelas, a lua, o mar, todo o Universo se torna mais intenso.

Sentir o que sinto agora é maior, muito maior, do que qualquer elocubração teórica sobre nós. Não quero mais teorizar nada. Quero seguir meu destino lado a lado com o seu e sorver a energia da felicidade possível e não idealizada. A felicidade possível está em nossas mãos, mas muitas vezes o pensamento e suas vãs teorias atrapalham, tumultuam, amplificam o não positivo. Tudo isso para dizer que desejo muito retomar nossa história. Está difícil viver longe de você. Beijos, Tony.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Por onde andam meus dias dourados de amar você? O sol a pino fervendo a terra e você... a água fresca que acalma a garganta, a brisa fresca da proa, a paisagem de aliviar olhos secos: endurecidos de multidão. Ou seria solidão?

Por onde andam as sombras acolhedoras do seu instinto másculo, sempre pronto a encontrar um norte para o nosso barco desgovernado e sem leme?

Eu confiava em você cegamente e cegamente me dava. Vislumbrava um futuro ameno, repleto de rotina e calmaria: compras no hortifruti, passeio matinal, almoço e sesta.

Mas veja você quanta ironia.

Porque devo ser sincera por amor a mim mesma e a ti. Você não me enganou. Não prometeu finais de semana iguais. Ao contrário. Acenou com abismos sobre abismos sem fim. E justo essa ausência de “normalidade” foi o que me atraiu para nós.

Mas, depois, os sonhos femininos de tranqüilidade. O amor sempre à mão, ao alcance dos braços. Que um homem como você seria incapaz de responder ou realizar.

E, mais uma vez, veja: como sonhar o paraíso sem estar no inferno com você? Sem estar na corda bamba de nossas incertezas e conversas dúbias. Tantos desencontros acumulados...

E, ainda assim, aqui estamos. Não é irônico?

Sua. Sempre sua.
Dolores.

Não vou esquecer daquele carnaval, que passei em imersão com você. Lembra que foi nessa época que concluímos que não vivemos “o” ou “um” auge e sim de pequenos e simples auges para sermos felizes, realizados e tudo mais? Pois, foi naquele carnaval. Todo mundo na rua e nós submersos em nossos sentimentos como dois submarinos amarelos assobiando canções quase psicodélicas, comendo cachorro-quente diante da TV de 20 polegadas. Pequenos auges que, para mim, se tornaram inesquecíveis.

Não tenha medo de ficar só, minha querida. Eu estou e estarei sempre aqui. Você escreveu um trecho muito nobre de minha história, que jamais ninguém ousou chegar perto. Você escreveu e me descreveu com muita pureza, muita honestidade, muito respeito. E, independente do amor eterno que sinto por você, não esquecerei jamais do respeito que você sempre demonstrou ter por mim. O que me fez admirá-la cada vez mais, me tornar seu torcedor número um, com direito a bandeira, camiseta e muitas lágrimas, Dolores. E quando a chuva caiu, molhando confetes e serpentinas, os carnavalescos que estavam na avenida se animaram ainda mais. Acho que o locutor até fez um comentário sobre isso. Sob a chuva forte, os sorrisos se mostraram mais intensos, o suor no corpo, a chuva misturada, como esquecer? Como esquecer de nós dois, um olhando para o outro, celebrando as imagens que vinham da TV, da chuva, do suor e da certeza de nosso amor? E se você me deixar agora, tenha a certeza de que vou sofrer, mas saberei entender sim. Beijos do Tony.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

E teve o Carnaval em que não saímos para nada, não arredamos o pé de casa, lembra? Montamos um piquenique na geladeira e ficamos vendo desfile madrugada a dentro... no silêncio da cidade deserta... sem ninguém... Todos foram! Engarrafados e felizes rumo às praias, ao calor, à festa gorda. Mas nós ficamos.

E como foram mágicos aqueles dias. Uma tarde, você cismou de ouvir música clássica. Sim, deu uma saudade em você.

Albinoni.

Você quis ouvir Albinoni.

Enquanto eu recostada no sofá lia Schopenhauer. “Isto não é livro para se ler no Carnaval”, você disse. E eu respondi: E Albinoni é música?

Hahahahaha! Nosso ataque de riso, lembra? Nós simplesmente não conseguíamos parar de rir... até que deu uma doida na gente e resolvemos deixar Albinoni e Schopenhauer pra lá e fazer um cachorro quente. Você mesmo preparou e ficou uma delícia com aquele molho barato do mercado. Como era mesmo o nome? Nunca mais vi dele.

Acho... acho, não. Tenho certeza. De que foi o melhor Carnaval da minha vida.

Será que conseguiremos um dia reviver momentos como aquele? Será que conseguiremos colar o cristal quebrado, ignorar as mágoas?

Sim, o afeto. O afeto é o último fio desse tear empenado.

E eu estou com medo. Medo de ficar só. E também não quero mais pensar sobre isso.

Beijos. Dolores.

Ao longo de muitos e tórridos dias brincamos no mar, nas ondas, na areia. Durante muitas e tórridas noites, brincamos com nossas sereias. Nos sentimos imunes, impunes, blindados contra os vendavais do moralismo reinante em todas as camas e camadas da chamada sociedade. Por quê? Porque a certeza de que não estávamos fazendo mal algum nos garantia a invulnerabilidade dos inocentes. Somos inocentes, Dolores. Geramos muito prazer e respeito. Esteja certa disso. Como estou certo que minha face vermelha perante o vermelho das rosas e de sua calcinha em nosso primeiro encontro era reflexo da pura timidez e respeito.

Assim vejo nossos escudos protetores. Não, você não está subestimando afeto algum porque em nenhum momento ele nos deixou ou nós o deixamos. O afeto esteve, está e vai estar em nossa trilha porque foi banhado nele (ou seria afogado nele?) que construímos essa história de amor, que muitos julgam empenada, torta, derretida. Não, Dolores, de jeito algum. O nosso afeto é a marca da vida, do ar, da estrela ascendente no céu de inverno, enfim, todos os belos elementos da felicidade cabem nele. Em nosso afeto. Que jamais se encerra. As mutações o protegem dos oponentes que o cercam como hienas. Dia e noite, ano após ano. E o afeto vence. Sempre. Sempre. Mas depende de nós, você sabe, eu sei. Depende da dose de mágoa que eventualmente um injeta no outro. O afeto resiste às hienas, mas a mágoa não.

Por isso estamos distantes. Os choques estavam se tornando crônicos e chegamos ao limiar do respeito. Foi quando o amor liberou nossos instintos de preservação e nos separou temporariamente. Uma separação que nada tem a ver com as anteriores, sempre causadas por elementos externos. A separação que vivemos agora é a prova maior de nosso amor, de nosso afeto mútuo. Não vou tentar apagar o passado. Passado que não vejo como reverência, mas referência. Uma referência importante para que os acertos de hoje se multipliquem. Precisamos acertar mais, querida Dolores, e para isso basta pensarmos bem menos (de preferência não pensar mais) nos erros. Nós merecemos ser felizes. Como cantou Beto Guedes, há tempos "Meu amor, não leva a mal/ Chega de maltratar/ Quem só quer bem /E não tem mais razão de suportar/ Tanto." Beijos, Tony.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Deus, será este o sinal: o homem da minha vida me dará flores no primeiro encontro. Ok? (O trato firmado com o Todo-Poderoso uma semana antes de nos encontrarmos naquele bar). Lembra? É, meu caro Tony. Uma rosa vermelha. Linda. Aveludada e fresca. “Para combinar com o seu vestido”, você disse. Na verdade, com a cor de minha calcinha que, até hoje, não sei como descobriu. Como conseguiu ver! Precisou de certo tempo para sentir-se à vontade e confessar que o vermelho das pétalas nada tinha a ver com o meu longo de festa.

A essa altura também, os motivos cromáticos de sua gentileza já nem me importavam muito, Tony. A essa altura, meu querido, eu já estava completamente apaixonada. Radiante por estar ao lado do meu homem. O escolhido. Fruto de minha ligação direta com o Amor Eterno.

Mas foram tantos os desvarios... repetidas e viciadas delinquências... sim, fomos ficando fragilizados com isso.

E, hoje, fico a me perguntar se a ilusão de uma súplica atendida não acabou sendo o escudo protetor de nossa história.

Sem ela, será que teríamos sobrevivido a inúmeras e sufocantes crises? Ou estarei subestimando nosso afeto?

Estou?

Beijos. Sua sempre,
Dolores.

A menina que mora em você é tão lúdica/lúcida que chega a comover o mais radical dos boçais. Não é a primeira vez que você cita a infância/adolescência em nossas cartas, assim como eu também vou soltando o menino que vive em mim uma vez ou outra. São referências muito fortes e reverências mais fortes ainda. Confesso que muitas vezes sinto saudade daquela anistia que a infância nos dá com relação aos compromissos de adulto. Em geral a infância é um manto protetor, que apesar de passar rápido deixa um sulco profundo na alma dos mais sensíveis. A psicanálise diz que esse sulco está presente na vida de todos. Dos bons, dos maus e dos feios.

Depois de constatar que estamos às voltas com nós mesmos você pergunta se será isso o fim. Dolores, em geral o fim é mais objetivo e rápido. Resta saber o fim de que. De nosso amor? De nossa relação? De nossa dependência mútua. Nos tornamos plurais, radicalmente plurais com o passar do tempo e você, além de minha mulher, minha fêmea, tornou-se também minha companheira, confidente, tudo aquilo que já te falei, eu acho. Se um dia nos tornamos ex um do outro, com certeza vamos sentir falta desse pacote que está atrelado ao nosso fragilizado amor. Acho que achei a palavra: fragilizado. Nossa história está fragilizada após aquele bombardeio inexplicável de situações que nem mesmo nós conseguimos explicar porque aconteceram. Será que fomos fundo demais em nossas vivências sexuais e o moralismo interior apareceu com a conta na mão? Será que nos envolvemos a ponto de não sabermos mais onde começa um e termina o outro? Nos tornamos siameses?

Uma coisa é certa para mim. Quando você apareceu em minha vida eu pensei "essa vai ficar eternamente" porque você resume todos os meus desejos em uma única mulher. Desejos e defeitos. Seus defeitos, em determinado momento, se mostraram adoráveis para mim. Veja você! Defeitos adoráveis. Até que...nos perdemos, ou fomos longe demais surfando no hedonismo e nos tornamos vítimas do pós-prazer absoluto. Mas, apesar de tudo, não sinto o fedor do fim de nossa história ainda. Para mim resta saber qual das histórias, qual das relações, qual dos sentimentos está hoje em estado mais crítico. E fique certa de que não vou pensar sobre isso sob o risco de me confundir ainda mais. Com amor, Tony.

domingo, 29 de novembro de 2009

Sim, estou confusa. E já não faz pouco tempo. Ou, talvez, esteja apenas resistindo aos meus desejos por puro medo ou despreparo físico. Físico, sim! Porque tem horas que amar dói no corpo. Mais do que na alma. Porque o espírito é forte. Mas a carne é fraca. Ora, se não.

Quando menina, quantas vezes imaginei o meu homem a cortar lenha enquanto eu, às voltas com o fogão, vivendo uma vida mansa, mãos na cintura, vento no rosto, a olhar o céu. Uma casa rústica, galinhas cacarejando, gatos a miar. Cada coisa no seu lugar. Homem sendo homem. Mulher sendo mulher.

Meu homem chegando por trás, suado, em busca de água, dando uma leve palmada nos meus flancos e dizendo: “e aí, mulher, tá pronto esse rango?” Risadas, gracejos.

“Tira a mão da panela!” Mais risadas, mais gracejos. Cachorro abanando o rabo para nós. Querendo rir junto. Tudo existindo na mais perfeita ordem. Sim, um sonho rural.

Um sonho.

Mas eu me tornei uma mulher urbana. Com ambições, carreira, às voltas com homens indecisos de sua masculinidade. Assustados com a vida. Tanto quanto eu.

E então conheci você. Tão certo de suas loucuras. Tão afirmativo em suas fraquezas. Tão másculo e frágil ao mesmo tempo. Inteligente, descaralhado, lúcido, louco! Não, não era o homem da lenha. Mas me fez me sentir tão mulher como no meu sonho juvenil.

E agora... nós. Às voltas com nós mesmos.
Será isso o fim?

Beijos. Dolores.

O tempo de sonhar nunca passa. É infinito, como os próprios sonhos. O sonho é uma peça fundamental nessa engrenagem complicada, confusa e egoísta chamada ser humano. Benzinho, ao mesmo tempo em que você afirma que o tempo de sonhar já passou diz que o que mais gostaria agora era de sentir uma paixão. Bela a citação de Cora Coralina, mas eu discordo que as mulheres dependam incontrolavelmente dos homens. Elas elegem essa jaula porque desejam. Nós, homens, é que temos como hábito depender da mulher incondicionalmente, o que em muitos casos gera uma desarmonia incontrolável.

Você diz que quer me esquecer. Mas, antes fala de saudade. Saudade de quando me esperava revelando um tempo em que sua vida se resumia magistralmente a minha simples e imperiosa chegada. Não é difícil constatar que você não está sabendo o que quer, Dolores. Mas isso não é novidade já que nossos sentimentos não são como lista de supermercado, que a gente vai riscando a cada conquista. Quanto ao esquecimento, aí sim, falou uma Dolores que não conheço. Onde foi parar aquela colecionadora de sucatas afetivas que eu sempre questionei? Você acumulava toneladas de questões mal resolvidas por não conseguir esquecer. Com o passar do tempo notei uma virada em você, para melhor. Uma decisão que você tomou e passou a jogar essas sucatas em seu habitat natural, o lixo.

Saiba, Dolores, que se um dia você me esquecer completamente (parece impossível, mas nao é) vou me sentir honrado ao ser atirado em sua lixeira, meu amor. Até sua lixeira é nobre, honesta, confortável. Lembra que eu já visitei durante a nossa mais longa separação? O que vi lá não foi nada hediondo. Muita confusão? Sim. Mas com o passar do tempo, andando, andando, andando por sua lixeira afetiva, notei que você mudou. E só mandou para o lixo histórias acabadas, logo, esquecidas. O que posso fazer para te ajudar a te esquecer, se esse é o seu desejo? Beijos, Tony.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O tempo de sonhar já passou. E, se alguém perguntasse agora o que eu mais gostaria de sentir em meio aos dias e meses de um cotidiano aflito, responderia de tacada: paixão. Por um segundo ao menos. Contrariando a sabedoria poética de Cora Coralina, que dizia: “a melhor fase da mulher é quando ela não depende mais afetivamente do homem.”

Mas que saudade, às vezes. Saudade de quando esperá-lo agendava o meu dia e minhas tarefas unicamente para o ato de... esperá-lo. Saudade de quando sua chegada apagava toda e qualquer pequena dúvida ou desentendimento. Quando minha vida se resumia magistralmente na sua simples e imperiosa chegada.

E, no entanto, sei que nada disso pesa para o maior ato de amor que um ser humano pode se dar:

esquecer.

Por misericórdia, esquecer. Por respeito a si próprio, esquecer. Por compaixão e nobreza: esquecer.

Não existe recomeço para uma história sem fim, meu amor.

O que seríamos nós, afinal, depois de tudo acabado? Você, um Dom Juan fraterno e eu uma Penélope sem tear?

Vá saber.

Beijos. Dolores.
Li sua carta no início da madrugada. Claro que não consegui dormir. Um minuto sequer. Mas ao contrário das insônias ditas comuns, ou vulgares, essa não foi regida pela ansiedade ou pela angústia e sim por uma avassaladora saudade de você em uma determinada era. Saudade da Dolores que me escreveu essa última carta, que parecia gritar no cativeiro do envelope até eu libertá-la com um rasgo suave. Com exceção de afirmar que desfio rosários repetitivos de teorias caducas (não sei de onde tirou essa conclusão) você se mostrou extremamente lúcida.
Extremamente! E por isso, levei a carta para a cama com a clara intenção de dormir sonhando com todos os grandes momentos que vivemos juntos até um dia desses. E o que aconteceu é que sonhei de olhos abertos, com o telefone na mão, ardendo de desejo para te ligar, mas desde que elegemos as cartas como nosso meio de comunicação principal respeitei.

Quando estamos nos sentindo rejeitados, a lógica sai para fazer compras. Ficamos à mercê de pensamentos e sensações sem qualquer sentido que naquele momento abrigam todos os sentidos do mundo. Na verdade, creio, perdemos o bom senso. Foi o que aconteceu quando, carente e rejeitado, comecei a perceber que você pulava da cama mais cedo por minha causa. Hoje, mais frio e mais lógico, lembro de seu ensaio extra e de minha viagem ao Marrocos. Hoje!!! Mas naqueles dias sofri muito, arrastado pelos tornados das fantasias ruins.

Acho que já te disse algumas vezes que você apresenta uma síndrome de Monalisa que me deixa fora de mim. Nunca se sabe se você chora ou ri, pouco fala e guarda todos os sentimentos num cofre blindado, à prova de todas as minhas armas, mesmo as mais pesadas. Se naquele tempo tivesse escancarado e me dito "queria voar para você, Tony. Mais do que dançar... voar. Ser você", o futuro (hoje, presente e quase passado) com certeza seria outro. Não estou querendo chorar o sêmen não derramado, mas alguns sentimentos parecem querer se cristalizar dentro de nós. A Monalisa que existe em você sempre me apavorou muito porque, VOCÊ SABE, sou péssimo quando o assunto é decifrar sentimentos subjetivos. E essa Monalisa não é uma invenção minha. Várias amigas nossas já se referiram a esse seu estado de mutismo como algo que faz mal a todos. Todos, sem exceção. Por isso é hora de virarmos esse jogo. Eu acredito que dá. Com ou sem Monalisas no caminho. Acredito em cada frase, cada palavra que você colocou nessa carta, como uma proposta de recomeço. Acerto ou erro? Beijos, Tony.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A lucidez nunca foi inimiga do amor. Amamos melhor ou sinceramente quando livramo-nos de todos os véus que insistimos em tecer para vivermos, teimosos, a paixão de Isoldas se lanhando em Tristãos. O que você chama de disco acabado eu prenuncio como nova sinfonia. Vinda de sons dissonantes não menos belos, no entanto – ou por isso mesmo . O que você denomina de mormaço amoroso, eu insisto em proclamar como o indício de algo maior, claro, definitivo.

Definitivo!?! Gritará você esmurrando o punho sobre a mesa. Para logo depois desfiar o rosário repetitivo de suas teorias caducas sobre o que imagina ser amor, paixão e liberdade.

Mas não existe bad end no amor, meu querido. Não, mesmo. E quem disse que a separação é irmã siamesa de tristes fins? Ou mau término, como queira.

Não! Também não disse que sofria de tonymania quando estávamos em Arembepe! Entendeu mal. Aliás, ali, eu sequer imaginava um dia sonhar ter consciência disso. Estava arrebatada demais pelas suas loucuras para ter acessos de clareza. Daí o equívoco (prefiro apelidar assim) que gerou em você a ofensa diluída em mágoa.

Quanto aos meus cheiros... será que deixaram de mudar? Ou não terá sido o contrário? Seu olfato que se perdeu? Estou aqui como sempre estive, Tony. Pulando da cama mais cedo, sim. Na época, para ensaiar uma hora a mais o número que apresentaria no Festival Espanhol. Lembra? Não, você não lembra. Sabe por quê? Porque estava preocupado demais com a viagem que faria a Marrocos. E eu só queria voar para você, Tony. Mais do que dançar... voar. Ser você.

Te amo. Dolores.
Você não chegou a me chamar de mau caráter diretamente. Vivemos nas milhares de piscinas naturais de Arembepe, ambos nus, copulando, hora sim, hora não. Entregues ao hedonismo pleno, quase absoluto. Lembro bem que tínhamos até emagrecido de tanto sexo, tanto mar, tanto céu, coqueiros, mas não imaginava que você estivesse padecendo do que chamou em sua carta de tonymania. Explica, mas não justifica Dolores. Se você está querendo arranjar argumentos para justificar o fato de, sinuosamente, ir me dizendo que sou um mau caráter, errou na mão. Mania alguma justifica uma ofensa deste nível, ou melhor, dessa falta de nível. Foi um eposódio tão injusto e lamentável que ainda hoje, muitos anos depois, sinto a ofensa como se você tivesse acabado de proferi-la.

Acredito no seu medo de sentir profundamente tudo o que demonstra sentir por mim. Acredito sim, Dolores. Mas há fatos que merecem uma explicação, ou pelo menos um questionamento, sei lá. Por exemplo, lembra que há tempos seu cheiro mudava quando nos beijávamos? Não muda mais. Eu até brinquei com aquele buquê de rosas com o cartão "você ainda sabe me amar?" quando percebi e senti falta da sua mudança de aroma. Em seguida você passou a acordar mais cedo, pular da cama e sair, apesar de saber que eu detestava amanhecer sem um beijo seu. E por aí foi. Fui sentindo seu desleixo, mas sempre coloquei na conta da porra da carência, moléstia afetiva que assola todos nós. Todos, sem exceção.

Mas não creio que é recordando dramas do passado que vamos dissolver esse mormaço que se apresenta. Pergunto: o que está acontecendo hoje com nós dois? Será mais uma crise? Será A crise definitiva que prenuncia o bad end? Afinal, você confessa que "Livre dessa tonymania, posso, um dia, quem sabe, amá-lo melhor". Para mim o que você chama de tonymania era amor e paixão numa mesma garrafa e na mesma proporção. Para você (que faz questão de deixar bem claro) um problema que estava comprometendo nossa relação. Um vício vagabundo. Aí eu pergunto: como vamos sair dessa? Ou já não há mais saída porque o disco acabou? Beijos, Tony.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Lembro-me de ter chorado no caminho de volta de Arembepe. Você pensou que era porque brigáramos. Mas, não. Quando estive em Ouro Preto sem você, também chorei ao sair de lá. Sim, creio que terá sido a nossa maior discussão em todo esse tempo que estivemos juntos. De qualquer forma – você há de concordar – tive meus motivos para concluir tamanho absurdo a seu respeito. Hoje sei que, por mais aloprado que seja, mau-caratismo é um mal de que você não sofre. Naquela época, no entanto, não o conhecia direito. Você sabe disso. Equívocos, desvios... é preciso tempo para encontrarmos a trilha que nos leva ao outro.

Não. Não tenho um certo medo de você, meu amor. Tenho, sim, muito muito muito medo de você. Por admirá-lo tanto, amá-lo tanto, compreendê-lo tanto, conhecer em minúcias os meandros mais distantes de sua personalidade amoral. Doce, melancólica, digna.

Quanto mais familiar nos tornamos um do outro, Tony, mais estranhos ficamos. Não sabe disso?

Eu, por minha vez, não sei mais o que quero. Juro que não sei. Você já foi meu tudo. Acordava, dormia, comia, sonhava você! Respirava seu nome. Tooo... inspira nyyy... expira. Ahhh!!! Há muito precisava me refazer desse vício. Creio que consegui. E, hoje, estou certa. Livre dessa tonymania, posso, um dia, quem sabe, amá-lo melhor.

Beijos. Dolores.
Você nunca negou uma enorme curiosidade por meus "interiores". Seu inconsciente providenciou este sonho na hora certa, no momento em que estamos nos reencontrando, nos restabelecendo, nos recuperando, nos re, re, re uma porrada de coisas. E aí você se torna uma mulher invisível e vaga por meus "interiores", temerosa em ser flagrada, idolatrada, salve, salve! Claro que estou lisonjeado com este sonho, que deve ter sido longo e profundo. Creio. Gosto de ser personagem de suas andanças pelos salões existenciais que você encontra, observa, sorve. Ser sorvido por você é sempre uma delícia. Acordada ou dormindo.

No entanto, este sonho mostra um certo medo de mim. Por que Dolores? O que a faz me temer assim? Você escreveu: "Só não me atrevia a entrar nos aposentos íntimos porque algo de inexplicável me impedia de fazê-lo." Lamento frustrá-la mas você já conhece profundamente meus aposentos íntimos. Afinal, foi você quem os descobriu e me revelou. Seu sonho foi humilde o tempo todo, mas nada do que ele revelou é novidade na vida real. Você sabe disso. Não, não vou afirmar. Vou perguntar. Você sabe disso? Que conhece todos os meus aposentos, que não tenho mais senhas, nem códigos e muito menos manhas para você?

Mais: você não me conhece através de minhas falas, minhas declarações, extraídas de nossos infindáveis papos-cabeça. Você me investigou minuciosamente ao longo desses anos a ponto de tirar conclusões como aquela muito infeliz em Arembepe que ocasionou a nossa maior porradaria. Quase nos separamos definitivamente em pleno paraíso tropical. Por mais que tenhamos pedido um ao outro para esquecermos esse episódio, não esqueci. E, tenho certeza, você também não. De volta a seu sonho no final, você gostaria de ter acordado ao meu lado? Na vida real, em tempo real? Ou eu ainda sou um episódio que a sua essência prefere vivenciar em sonhos? Hein? Tony.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Às vezes me torno uma mulher invisível. Pensei inacessível mas a palavra certa é a outra mesmo. Hoje, por exemplo, sonhei que entrava furtivamente em sua casa. Meu coração batendo acelerado enquanto andava, vagarosa, pela sala sem você. Só não me atrevia a entrar nos aposentos íntimos porque algo de inexplicável me impedia de fazê-lo. No sonho, a dúvida: “será que ele não está mesmo ou está dormindo no quarto e a qualquer momento acorda e me pega aqui?” O porteiro, minutos antes, havia dito “não, ele saiu”, ao me dar a chave com a tranqüilidade conivente de me saber esposa.

Vou embora assustada e encontro estranhos vizinhos no corredor. Devem ser moradores novos. Penso. Entro no elevador, descendo com o coração na boca. Veja você. Só em casa percebo que esqueci de devolver a chave. E, pior! De trancar a porta! Mais pânico.

Volto tele-transportada ao local do crime (em sonho, tudo é possível). Debruçada à janela e ainda temerosa – vá lá saber por que – ouço ruídos na fechadura. “É ele!” Inteiramente apavorada. Sei que você vai estranhar a porta aberta e da chave não estar ali. A essa altura, ela se perdeu! Sei que você não me verá à janela e, por mais absurdo que isso possa parecer, é justamente o fato de não poder ser vista o que me apavora cada vez mais! Dez, nove, oito... “Ele vai entrar!” Sete, seis, cinco... Não tenho coragem de me virar! Quatro, três... “Será que está sozinho ou com outra?” Dois... “Se me tocar, será que ficarei visível?” Um!

Acordo.

Beijos.
Você já viu égua tentar seduzir cavalo? Já viu cadela correr atrás de cachorro? Enfim, já ouviu falar de alguma ave ou mamífero fêmea que dê em cima do macho? Não, benzinho. A porradaria entre os machos é que decide quem vai copular a fêmea. Cabe ao macho a disputa para ganhar o troféu da sedução e cabe a fêmea apenas contemplar e aceitar o que a Seleção Natural reservou. Isso é Darwin. E vem você com essas musiquinhas do tipo "eu sou apenas uma mulher". Apenas, Dolores???? Apenas???? A mulher é o centro do mundo. As fêmeas é quem regem a Natureza e já que são infinitamente superiores ao homem. Você viu o magistral filme "A Guerra do Fogo" de Jean Jacques Annaud? Um filme do final dos anos 80. O poder da fêmea está muito bem descrito nessa obra maravilhosa.

É claro que você já viveu momentos Scarlett em sua vida porque é e sempre foi GUERREIRA. Algumas vezes só você não percebe a sua forma, o seu poder, porque ainda anda muito refém da auto-estima. Você confessa aqui que se faz de codorna virgem para mim por pura estratégia. Hummmm. Não vou pensar sobre isso. Ou devo pensar? Não sei. Depois eu penso se devo pensar ou não. Mas o fato de rolar dissimulação já acende a luz amarela da minha irritação, mas não há o que fazer já que você nunca escondeu, corajosamente, sua condição de dissimulada. Devo aplaudi-la como atriz. Faz muito bem o papel da codorna virgem e acuada quando precisa. Até receber esta carta eu achava que você realmente agia daquela maneira por puro prazer. Que coisa. Tony.

domingo, 22 de novembro de 2009

Já vivi momentos de Scarlett em minha vida, Tony. De precisar encarar o dragão de perto sem qualquer preparo ou estratégia e contar apenas com a minha própria sorte (leia-se intuição). São momentos que jamais se esquece, uma vez experimentados e devidamente digeridos. Entenda: ‘não esquecer’ não como sinônimo de remoer mas de dado computado para futuras transgressões.

Meu querido, por que você acha que estamos juntos há tanto tempo? Saiba. Graças a minha estratagema de, vez e outra, me tornar codorna virgem e assustada para você. É... Quando esse seu enfurecido Xangô resolve aparecer, soltar os trovões e conquistar reinos vizinhos, recolho-me a minha insignificância de fêmea e espero a tempestade passar.

“Ele é quem quer/ Ele é o homem / E eu sou apenas uma mulher.”

Eu sou quem você quiser que eu seja, meu amor. Todas as suas antigas namoradas aqui e agora. Baixas-louras-puras-morenas-sirigaitas-cretinas-virgens-gueixas-crioulas. O espelho de seus desejos mais contidos, cerrados no peito.

Mas, para isso, tive de aprender a virar o rosto a fim de levá-lo a olhar em outra direção. Fazê-lo tirar os olhos de mim sem, contudo, desviá-los de mim. São pequenos truques femininos, meu amor. Pequenos truques.

Beijos. Dolores.
A verdade não tem donos. É uma maravilhosa vadia como você, voando pelos becos e artérias das paixões, como morcegos em sessões de cinema. Matinês de preferência. Agora, numa boa, na paz, caminhando em gelo fino, pergunto: quem é você para chamar Scarlett O’Hara de egoísta? De novo você erra numa avaliação comportamental, como vacilou feio comigo na penúltima carta. Scarlett era uma obstinada, correndo atrás de sonhos que se tornaram pesadelos e voltaram a ser sonhos. De novo. Por quê? Porque ela tinha comando sobre sua própria vida, sua própria vontade e não vivia no arrego. Tinha tudo para isso, para ficar se lamentando embaixo de uma árvore, secando lágrimas com lencinho de seda. Que nada. Ela optou pela ação, pela reação, preferia morrer em campo de batalha a simplesmente apodrecer em alguma grutinha protegida daquele estranho lugar.

Posso falar? Egoísta é você, Dolores. Começo a suspeitar que você tem mesmo duas máscaras. Em nosso último encontro me tratou com afagos, beijos na boca com direito a mordidinhas nos meus lábios (estranhei, porque você nunca gostou de beijar assim), mãos nas coxas e arredores, cafezinho, água gelada, ar condicionado. Naquelas poucas e longas horas eu me senti um sultão na sua cama, apesar de ter achado (preste atenção, eu disse achado e não concluído) que no final você insinuou para que eu fosse embora. Se bem que no mesmo momento relevei. Eu é que posso ter avaliado mal, mas como não sou egoísta a ponto de transformar más impressões em decretos relevei.

Tudo bem no último encontro e, sem mais nem menos, você me esbofeteia numa carta. Não faz sentido. Concordo com poetas, seresteiros, namorados que o amor não faz muito sentido mesmo não, mas essa foi demais. Respondi no mesmo tom (claro, fiquei puto.magoado.com) e você devolve mudando de assunto como quem muda de granja, fugindo de um gatuno qualquer como uma codorna virgem e assustada. Você já havia me contado essa história do baile, do rapaz que fisicamente era uma mistura de ex-beatle com jogador de futebol. Claro que é uma bela história. Mas e se eu disser que eu também devo parecer com alguém, quem você sugere? Não falo nada quando você erra e me chama de outro nome, sempre o mesmo (Aramis), e para não cair nas arapucas do imaginário inventei para mim mesmo que Aramis era esse cara do seu baile. E ponto. Da mesma forma que eu acho você parecida com Leila Diniz quando era novinha, mas nunca, nem gozando, fora de mim, troquei seu nome Dolores. Mas se um dia trocar, saiba que será pelo da Leila. Ou será que a maneira de sentir a vida da Leila me encanta tanto que eu te acho parecida com ela? Não sei, não sei, não sei.....Tony.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

No primeiro baile da minha vida, o rapaz que eu havia decidido me escolher veio tímido em minha direção e, naturalmente, me convidou para dançar. Em meus delírios de puberdade, ele era a cara do Paul McCartney. Mas depois mudei de idéia e resolvi que ele se parecia mesmo era com o meia-direita Cruyff, da seleção holandesa de futebol – a inesquecível Laranja Mecânica (como foi apelidada na época) e sua igualmente inesquecível campanha na Copa de 74. O Carrossel Neerlandês – esquema tático da equipe – não levou o título de campeão. Mas, e daí? Quem se importa? Ou quem liga para a vitória da Alemanha Ocidental diante de um grupo de jogadores que tinha Cruyff. Cruyff!!! Pesquisem no Youtube.

E por falar em Leão da Metro, recordo-me de um dos filmes de maior sucesso na história do cinema de todos os tempos: Gone With the Wind (E o Vento Levou) e fico aqui a matutar com qual dos dois casais da mega-produção do estúdio americano nós nos encaixaríamos melhor. Com a egoísta Scarlett O’Hara e o aventureiro Rett Butler (vividos por Vivien Leigh e Clark Gable)? Ou com a doce e frágil Melanie Wilkes e o covarde e indeciso Ashley Wilkes (magistralmente interpretados por Olivia de Havilland e Leslie Howard)? Talvez uma mistura dos quatro, penso eu.

Mas você tem razão. Posso ter me equivocado, sim, ao adjetivá-lo de arrogante. Não seria essa a palavra adequada para enquadrar você num perfil comportamental. Deleta. Ocorre-me agora “dono da verdade...” Não tem importância, de qualquer forma.

Viu como sei cada vez mais mudar de assunto?

Beijos. Dolores.
Já tive cura e alta de todos os dramas afetivos desta vida, meu bem. Logo, não faz o menor sentido quando você roga a praga "você não tem cura Tony". Mesmo porque você não é uma doença, mas uma mulher. Completa por sinal. Mas foi só eu abrir a portinhola da jaula e soltar a jaguatirica que você vem se defendendo (atacando) como se estivesse diante de um leão enfurecido, tomado de raiva, salivando ódio. Leão que você inventa, como o Leão da Metro, querida. Uma imagem, esta sim a tal psicanalítica projeção que você me acusa de ter feito quando eu escrevi o que penso de você. Eu e o resto do sistema solar.

Minha querida, pare de correr atrás desse belo rabo. Você vai acabar cansando e deitando como uma coelhinha na frente de todo mundo. Gostei da citação bíblica. Não a conhecia e achei dura e bela, como tudo que o melhor livro já escrito revela em suas páginas. Com relação à criança mimada batendo pezinhos no chão, se foi para me ofender foi tiro de pólvora molhada porque toda a humanidade vive mimada batendo pezinhos. Cada um à sua maneira. Por quê? Ora, Dolores, o ser humano nasce, vive e morre carente. E a carência é a prima mais próxima do mimo. A sua resposta, irracionalmente furiosa, também foi de uma garotinha tola que ninguém tirou pra dançar no baile e ficou chupando o dedo no cantinho escuro. A princípio. Depois, a vingança. Com aquela cor que a vingança tem. E não adianta, Dolores. Quanto mais irritadinha, digo, irritadiça você fica, mais o fogo da paixão me incendeia. A sua irritação é como gasolina na minha lareira emocional.

Você me xinga de rude e arrogante. Mais uma vez recorro ao povo. Pergunte ao povo que convive conosco quem de nós dois é medalha olímpica nesse quesito. Ah, esqueci que quem convive conosco também tem pacto com a omissão social e não vai dizer a verdade para evitar supostos problemas. Com você ou comigo. Não adianta recorrer à democracia nessas horas. Logo, fica valendo a sua ofensa porque você atirou primeiro? É a lei informal. A mim cabe a defesa: você às vezes não me conhece. Rude sim, arrogante jamais. Arrogantes não agem como eu ajo com você e com a vida de um modo geral. Orgulhoso? É provável que seja um pouco, mas perto de você sou um estagiário em seu primeiro dia de trabalho. Agora eu pergunto: dá pra gente parar de se machucar? Quem irá hastear a bandeira branca primeiro? Tony.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Pronto. Ficou zangado. Criança mimada batendo com os pezinhos no chão... Fazendo pirraça...Você sabe muito bem que me incluo quando me remeto a “tarefas inúteis”. Qualquer ser humano, mesmo o mais samaritano de todos, não passa de um servo inútil. Aprendi com madre Agnes no colégio de freira onde você deveria ter sido matriculado para deixar de ser tão rude e arrogante quando quer.

Abra em Lucas, meu querido, capítulo 17, versículos de sete a dez. O trecho termina literalmente assim, conforme tradução da Vozes: “Somos escravos inúteis. Fizemos apenas o que tínhamos de fazer”.

Não se esqueça de que sou uma mulher como todas as outras, Tony. “Toda mulher quer ser amada/ Toda mulher quer ser feliz / Toda mulher se faz de coitada / Toda mulher é meio Leila Diniz!” Graaande Rita Lee.

Não. E não pense que penso que daqui para frente tudo vai ser diferente porque você não tem cura, ouviu bem? Você não entende naaada! Não sei porque ainda insisto em acreditar que você possa me enxergaaar! Não, você não é capaz disso, Tony. Sabe por quê? Porque você se perde nesses redemoinhos de projeções sobre mim: a fria, a calculista, a não sei mais o quê.

Vê se me enxerga! Pelo menos uma vez na vida!

Pelo amor de Deus.

Dolores.
Não estou fugindo de você porque tenho essa boçal consciência de meu amor por ti, o que não impede de achá-la ridícula, deselegante e decepcionante quando chama o que faço de "tarefas inúteis". O que são tarefas úteis, mocinha? O seu PhD, seu MBA, essa pequena montanha de diplomas que você ostenta, mas que na prática servem pouco ou nada para a evolução da espécie humana? Dolores, enquanto você está discutindo o sexo das antas nesses cursinhos mauricetes por aí, as vilas, ruas e cidades clamam por soluções que você, como profissional, poderia estar contribuindo diretamente para ajudar a encontrá-las. Sim, diretamente, com a mão na massa e não brincando de Pitágoras e Descartes em salas de aula que durante o dia são frequentadas por crianças.

Eu sabia que você ia me dar uma ferroada pelas costas. Estava muito mansinha, excessivamente romântica, quase esqueci da Dolores seca, dura, fria, quase calculista que conheci e por quem me apaixonei. Assim mesmo. E quando chegou a hora, eu olhei para o lado e você pou! me ofendeu. E o mais curioso de tudo isso é que em nenhum momento meu amor por você dá sinais de partida. Por quê? Ora, neném rebelde, porque foram exatamente essas suas características que me fizeram amá-la, idolatrá-la, salve, salve!

Não pense você que daqui pra frente tudo vai ser diferente porque não sou vendedor de bilhetes de loteria. Longe de mim prometer nirvanas que não me pertencem a pessoas (como você) que me pertencem menos ainda. O que eu posso te garantir é que o Tony furioso, que bate com o pau na mesa, está de volta depois de uma temporada nas cordas do ringue existencial, fruto de uma porradaria generalizada. E não vem não, Dolores, que você também não suporta a idéia de viver sem mim. Desminta! Não consegue admitir a possibilidade de me ver definitivamente fora de sua vida porque eu sou o porta voz das suas intolerâncias. E porta voz assim é difícil de achar. Discorda? Então procure um. Tony.
Sim, eu conseguirei! Conseguirei fazê-lo entender que quanto mais você foge de mim, mais me ama, seu grande tolo. Que sua tristeza crônica vem da falta que meu ar distraído e nublado faz em sua vida cheia de tarefas inúteis. Contas para pagar. Que quando dirige o seu carro e ouve surpreso tocar ‘Believe’, da Cher, em uma rádio nada comercial como essa, não gira o botão à procura de clássicos porque no fundo no fundo você passou até a gostar da Cher por minha causa.

Eu conseguirei fazê-lo entender que seus rompantes de procurar aquela antiga namorada não passam de um pedido de socorro insano a clamar por mim. Sua última tentativa de provar para si mesmo que o meu beijo não está colado na sua saliva de macho inquieto. E teimoso.

Farei você entender que o amor e a liberdade vêm juntos sim. São crias do mesmo berçário. Mas que liberdade e reclusão não são farinha do mesmo saco. Que solidão espantada é fruto do medo de ser um sujeito alegre e firme.

Que o fato de você ter se habituado a crer em suas próprias lendas não faz de você um homem liberto.

Continue, meu amor, continue tentando fugir de mim enquanto acelera nessa trilha acidentada rumo a si mesmo. “Do You Believe Love After Love?” O amor depois do amor, sou eu, meu amor. Sou eu.

Beijos. Sua eterna Dolores.
Também acredito em você. Em cada sussurro de suas letras que se derramam como sêmem sobre a nossa história. Acredito muito em você apesar de todas as explicações que peço por atitudes suas. Mais graves são as não atitudes, momentos em que você mantém o olhar nublado e distante, sem dizer uma palavra. No passado essa não atitude me deixava completamente inseguro, mas com o passar do tempo entendi que é da sua essência e não mero desprezo.

Em algum lugar do passado alguém me disse o que você confirma na bela carta que me mandou. Me disseram que o amor muda, muda, muda e pode até acabar mas envelhecer jamais. É um sentimento nobre, muito nobre, que não tolera a mesquinharia, o ciúme, a pobreza de espírito. Dizem que amor e liberdade vieram do mesmo berçário. Acredito muito nessa idéia. E fique certa, minha querida, de que quando a chuva vier forte e os rios estiverem cheios estenderei, sim, meus braços quando nossa música tocar e a brisa vai soprar, branda e macia, em nossos corpos molhados, saciados, tranquilos.

A sorte a que me refiro é a mais banal, aquela que faz os pequenos detalhes do cotidiano darem certo até que todo o conjunto celebre a vitória. É essa sorte a minha referência. Sorte de ter encontrado você, ou melhor, de você ter me encontrado no seu caminho. Não. Não esqueço que foi você quem me encontrou naquela madrugada fria, deliciosamente fria. A sorte não é rara e acho que somos nós que a atraímos através de atitudes básicas como solidariedade, caráter, enfim, aquelas características que nos tornaram pessoas do bem. Sim, Dolores, tenho o maior orgulho de sermos pessoas do bem. E gosto de berrar essa certeza sem modéstia alguma para todos os mundos. Com amor, Tony.
Acredito na sorte. Acredito em estar viva e voltar todo dia para casa depois de um dia exaustivo de trabalho. Acredito nos amigos que tenho. No amor que sinto. Na possibilidade de nos acertarmos como um casal sui generis. Acredito em você.

Talvez eu o procure quando a chuva vier forte, quando os rios estiverem cheios. Você estenderá seus braços novamente quando nossa música tocar? Quando uma brisa noturna soprar em nossos corpos molhados?

Meu amor não envelhece, Tony. Ele não muda. O ritmo pode até não ser o mesmo, mas a intensidade sim. A doçura de observar seu olhar distante... seus pensamentos sobre as montanhas que ainda espera sobrevoar. A certeza de seu afeto indeciso, desconcertado, aos trancos.

Não sei a que sorte você se refere afinal. Mas isso pouco se me dá.

Porque lembro bem do poema que escrevi para você. Rasgos de libido mal formulada, de pretensões poéticas à moda antiga. Só mesmo gritado para o nada, como você fez, para encontrar o seu lugar. De existir por si mesmo, sem endereço certo, sem desculpas, sem pudor.

A escrita nos torna únicos, sim. E, se quer saber, já nem sei mais onde começa o meu parágrafo e termina o seu. Nossa sede de sensações nos afasta de nós. Mas o texto, não. Ao contrário. Ele prepara as cores, o sabor. Exala o aroma doce e fresco de nossas manhãs. Das que virão nos resgatar.

Beijos. Dolores.
Li sua carta ouvindo April Come She Will de Simon and Garfunkel. Um clássico do final dos 60, início dos 70. A música é sobre desolação e renovação, caos e cosmos, ser e não ser, mas a simplicidade da letra parece um poema seu que você me deu de presente de aniversário há uns anos atrás e que está guardado em minha carteira até hoje. Ele merece ser eternizado porque, naquele poema, você me apresentou a sua alma nua, completamente nua.

Lembro que, certa vez, eu estava passando perto do Descaralation Valley, parei o carro e desci. Como sempre não havia ninguém. Naqueles tempos, poucos conheciam o Descaralation Valley. Como depois que fiz aquela promessa nunca mais voltei lá, não sei se a explosão demográfica engoliu o nosso vale. Mas, voltando, desci do carro e, na beirada do vale berrei o seu poema, que ecoava pelas pedras antes de mergulhar no mar arisco, rebelde, fascinante de lá. Acho que cheguei a comentar com você sobre isso.

Esse seu poema, além de poema onde uma mulher no cio se desnuda para o seu macho, é um de meus amuletos. Ele me dá sorte. Aliás, Dolores, eu estive pensando sobre isso e concluí, há tempos, que você me dá sorte sim. Se isso te ofende, não posso fazer porra nenhuma my love a não ser lamentar robustamente. Em geral mulheres com seu perfil, ou profile como prefere aquele imbecil vizinho nosso que se acha englisman em nova iorque, não acreditam em sorte. Nunca te perguntei, mas sempre acreditei.

Não vou plagiar seus estados emocionais, especialmente tréguas do espírito e verões da alma. São coisas tão suas, que trazem até o copyright. Nossas diferenças muitas vezes nos tornaram UM e é graças a elas que vou continuar silencioso e úmido, agora, quando sinto visceralmente a sua falta. Mas, fazer o que? Ouvir April Come She Will foi minha opção. Beijos, Tony.

domingo, 15 de novembro de 2009

Ando meio nostálgica, sabe. Talvez, por isso, o órgão milenar da igreja matriz, com seu som inigualável e magistral, tenha me levado para bem próximo de você hoje, Tony. Há muito não assistia a uma missa e – devo confessar – já nem me lembrava mais direito da sequência dos ritos.

Que coisa feia, diria madre Agnes. Meneando a cabeça e sorrindo cinicamente ao mesmo tempo.

Pensar na sua vida como “barco ancorado que sonha que navega”, meu querido, não tem nada a ver nem com suas reminiscências nem com armas postas ao chão. Mas com o silêncio de seus olhos úmidos, marejados de dor.

Você há de dizer: “mas a dor é inerente ao ser humano!” Naquele seu tom afirmativo que me fez e ainda me faz amá-lo tanto assim. E eu responderei. Sim! Sim! Mas não com os olhos marejados, meu amor. Porque a dor inerente da qual você fala ou é dura, seca, árdua ou é desesperada e suicida. Jamais silenciosa e úmida como a sua.

Não. Prefiro ser inquieta e confusa a aceitar a morte em vida da imbecilidade reinante. O peso no peito, aliás, impede que eu perca o meu norte. Ah, então é por aqui... o meu caminho... Só não pense que isso é maior do que eu, meu querido. Porque também sei ser leve, clara, esvoaçante e digna diante de um dia de sol, céu aberto e águas calmas...

Nas tréguas do espírito. Nos verões da alma.

Bejios. Dolores.




Temendo que o sonho possa ser um pesadelo, pode ser que haja um fundamento na sua intuição sobre um barco ancorado sonhando que navega. O que a levou a essa constatação? Minhas cartas? Meus devaneios mais lúdicos e quase infantis e ingênuos? Você acha que estou abrindo a guarda.

....... (pausa, pensando) Está mais do que na hora de abrirmos nossas guardas, explodir as correntes, os cativeiros existenciais que insistem em nos manter angustiados, tensos, muitas veses melancólicos como toda a obra de Camus e Clarice. Sinceramente, Dolores, você preferia ser uma pessoa mais imbecil ou continuar a ser o que é e carregar todo esse peso no peito. Eu tive vontade de perguntar a alguns escritores que encontrei por ai, eu sempre na condição de fã, se eles preferiam não escrever nada e viver sem o flagelo da angústia ou o oposto.

Sim, você tem razão. As igrejas são refúgios de nossos soluços, lágrimas, sussurros porque parecem ter sido construídas para abrigarem nosso caos. Uma vez eu ouvi alguém falar que Deus gosta de nossos fardos. Nunca mais esqueci essa frase. Eu confesso a você que sempre tive uma certa cerimônia com Deus, de pedir muito, de estar sendo pesado a Ele. Até esse dia em que essa pessoa, durante a cerimônia de um casamento, disse essa frase. Foi quando me soltei e parei de "economizar" Deus, na certeza (depois ouvi até de um teólogo que aquele sujeito tinha razão ao dizer aquela frase) de que meus fardos são uma forma de reverência a Deus. E você sabe que eu reverencio Deus com muita força. Mesmo quando estou com pouca força, estou cansado, abatido, como um personagem de Camus ou Sartre.

Não tema por mim. Por favor! Não tema por ninguém! Temer a vida, isso sim, é sonhar de olhos abertos no cárcere privado do inconsciente. Beijos, Tony.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Ah, o universo à parte de Camus. Bem lembrado. Às vezes me sinto como os personagens dele. Mas quem já não se sentiu assim? A vida é cheia de cenas absurdas, labirintos, caminhos sem volta, surpresas, mesmice. E a liberdade, Tony, ou sua ilusão de tê-la, só não me comove porque ela acaba sendo sua própria prisão. O que é a liberdade, afinal? “Minha própria liberdade não é livre: corre sobre trilhos invisíveis”, diz Clarice (Lispector). Com a sabedoria dos angustiados. De Clarice a Mansfield.

Lembro da primeira vez que brigamos feio. Você terminou comigo ou, pelo menos, foi assim que entendi na ocasião. Eu chorava. Chorava copiosamente sem hora ou lugar. No ônibus, no metrô... Nos momentos mais críticos, refugiava-me em alguma igreja porque como dizia madre Agnes, a sempre divertida madre Agnes: "a igreja é o único lugar em que você pode chorar sossegada sem ninguém perguntar por quê." Ai, ai. Muito alegre madre Agnes.

A imagem de navios era-me indiferente até um colega do ballet mudar totalmente o sentido do que comumente via. Ao passar pela ponte e enxergar velhas embarcações ancoradas na baía, meu olhar captava somente lixo, carcaças. Uma visão, de certa forma, desagradável. Foi quando esse meu amigo disse: “acho tão lindo esses navios ancorados... a impressão que tenho é que estão enraizados numa gelatina azul... lindo.”

Pronto. Desde então, minha sensação diante deles mudou para sempre. A leitura poética do meu amigo transformou meu olhar desprovido de lirismo em uma tela de Van Gogh.

Às vezes, Tony, tenho medo por você. Temo que você seja apenas um barco ancorado sonhando que navega.

Beijos. Dolores.
Minha querida, nunca você escreveu uma carta tão doce para mim. Nem quando iniciávamos o namoro (?). Bowie é raro porque muitas vezes compõe com alma de mulher para a alma da mulher. E acho que é por isso que nos mundos todos ele é idolatrado pelo mulherio em profusão. E ao se revelar uma garota, hoje, agora, neste momento, você ganha mais um ponto em meu caderninho porque, de certa forma, eu me revelei menino em minha carta mais recente. Aquela do tiê sangue, que uns escrevem com e outros sem hífen. E, menina e menino se encontraram num texto que poderia ser único.

Eu estava chegando ao aeroporto hoje e vi um homem chorando na calçada. Terno, gravata, mala de grife, sem óculos. Chorava copiosamente num ponto de táxi. Eu pensei no menino, na garota e na coragem. Que coragem daquele sujeito, jorrando em via pública como se estivesse trancado a sete chaves em seu quarto. Não o cumprimentei porque seria uma intervenção brusca e até boçal no estado emocional dele, mas deu vontade. Deu vontade porque, por mais que eu tente, não passo de um trem de carga de nós na garganta. Dia desses, sobrevoando o Atlântico, a mais de 12 mil metros de altitude, vi no horizonte um navio solitário. Aquela imagem me jogou lá na minha infância, cheia de navios de aço e barquinhos de papel e imediatamente veio o nó na garganta. Mas eu estava no comando da aeronave, o co-piloto cochilava e o engenheiro lia uma revista de amenidades. Tá, tá certo, estávamos no piloto automático, mas o excesso de responsabilidade deletou meu desejo de liberar as lágrimas. Como você escreveu "a aurora seria triste em nossa homenagem" porque quando as lágrimas jorram demoram a parar. Rompem o crepúsculo, a noite, a madrugada até surgir a aurora, com seus tiês sangue, David Bowies e sabiás.

Sim, eu preciso de muitos galhos para pousar. Você sabe disso. Você escreveu isso. Ironicamente esses jatos que piloto precisam de uma única pista, longa, reta. Só isso. Só isso não! E muita perícia da tripulação. Às vezes transporto esse procedimento para a vida e começo a achar que devemos viver com perícia e competência. Mas, ora porra, o que será viver com perícia e competência? Certo, viver a liberdade de um tiê sangue significa romper com o absoluto, com o tempo lógico, aquelas coisas que Camus escrevia. Mas por que tão poucos conseguem bancar essa liberdade? Por que tememos tanto a chegada do boleto cobrando consequências finais? Minha menina, eu voo, voo, voo, pensando, pensando, pensando. Especialmente em você. Beijos, Tony.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ouço “As The World Falls Down”, do Bowie, e penso em você, meu amor, enquanto o chiar da chaleira denuncia a água fervente de meu café noturno. Minha noite será em claro hoje. Você duvida? Quando comprei esse disco, nem sonhava em conhecê-lo e as madrugadas de então eram uma eterna busca de você. Porque “embora nós sejamos estranhos até agora/Nós estamos escolhendo o caminho/Entre as estrelas”. E eu era tão garota naquela época.

Ainda sou.

Em questões de amor, somos sempre amadores, Tony. Como disse muito bem.

O Zé certamente diria qualquer coisa absurda ou – ao contrário – algo tão simplório que nos faria repensar dez vezes dez essa “separação”. Entre aspas, sim, porque ainda que você arrastasse uma ninfeta para o altar e tivesse uma penca de filhos com ela, nossos olhares se encontrariam cúmplices de histórias pelas ruas do bairro. Nosso silêncio preencheria o vazio da mesa ao lado. E a aurora seria triste em nossa homenagem.

O Tiê-Sangue me lembra você: um pássaro que não sobrevive em gaiola. Precisa de liberdade, de céu aberto e muitos galhos para pousar. Eu tento ser esse céu aberto, mas “Há um amor tão triste/Profundamente em seus olhos”. E, sinceramente, não posso ser tantos galhos assim. Também preciso de ar puro para viver.

De qualquer forma, meu querido – meu doce e assustado Tiê – quero que saiba que enquanto voa alto sobre os firmamentos pilotando aviões, “eu estarei lá para você/enquanto o mundo cai”.

Te amo te amo te amo.

Sua eterna Dolores.
Minha querida, um dia desses você lembrou do nosso amigo Zé. Hoje passei o dia pensando nele, com muita saudade e, não nego, uma puta vontade de que ele estivesse vivo para podermos, eu e você, ir conversar com ele. Aquelas conversas de quatro, cinco horas, quem sabe naquele bar que ele gostava de ir. Naquele dia você falou algo do tipo "peça para sonhar com ele" e acho que vou fazer isso sim. Especialmente depois da decisão de ontem a noite, que ambos, eu e você, (i)maturamente tomamos: passar uma temporada separados. Foi assim o combinado: temporada. Sem prazo estabelecido, sem datas, sem nada. Se o Zé estivesse aí seríamos um prato cheio, você não acha? Eu acho, apesar de nos últimos dias estar mais procurando do que achando.

Não sei o que essa temporária separação vai proporcionar. Se em você bater uma espécie de "alívio de mim", que assim seja minha querida. Apesar de engolir em seco sei que não perdi, não fracassei nas inúmeras tentativas de manter com você uma história natural, simples, trivial. Apesar de admitir que não somos triviais, muito menos simples ou naturais, mas ainda não desisti de baixar a bola para uma vida mais suave a seu lado. Não desisti. Como testemunha tenho uma sabiá que canta diariamente numa árvore aqui perto. Especialmente nos fins de tarde. Quando estou por aqui e essa sabiá canta eu lembro de minha infância que vivi num lugar tão mágico, mas tão mágico, que até uma psicanalista concordou comigo há uns anos atrás, e acabou se emocionando no meio da sessão. Nesse lugar havia bandos de sabiás, tiês-sangue, sanhaços, canários da terra, todos voando e cantando livres. Eu, com meus 4, 5, 6, 7, 8, 9 anos, ficava absorto, contemplando aquela sinfonia. A mesma sinfonia que há uns anos atrás, dormindo a seu lado, ouvi no meio da noite naquele sonho com pássaros que te contei.

Mesmo que você me atirasse ferro de passar roupa quente no meio dos cornos eu jamais iria deixar de torcer por sua felicidade. Apesar da capa de gabardine que encobre meu inconsciente te levar a pensar que "A primeira vez que ouvi “Foda-se se a platéia está gostando do meu blues”, pensei lisonjeada: ele fez pra mim. Você não é amador em nada que se meta a fazer, amor. Nada nada nada. Como um bom Hermes." Sou sim. Nessa torcida por nossa felicidade sou mais amador do que o menino vibrando para que o tiê sangue não pisasse no visgo de jaca armado na arapuca e fosse parar num cativeiro. E é claro que compus aquele blues para você. Para quem mais? Não há ninguém além de você que mereça meus blues. Mesmo à distância como estamos vivendo temporariamente desde ontem à noite. E eu voarei como um tiê sangue em busca da nossa felicidade, pelos céus que o querosene, as turbinas e metais do meu trabalho me proporcionam. Sempre. Beijos, Tony.
Jamais me orgulho da função que uma pessoa ocupa. Orgulho-me – antes, sim – de merecer seu amor, sua amizade, seu afeto. Isto pode soar piegas vindo de mim, não? Ou pior: falso. Mas é a mais pura e cristalina verdade. No seu caso, sempre enxerguei seus trabalhos mais como hobbies do que propriamente vocação. Você já assumiu tantos cargos nos mais variados setores... Se bem que sinto um “a mais” no seu interesse por aviões e, mais especificamente, em pilotá-los. Todos precisamos de um sentido na vida, afinal. Ainda que seja o de pilotar aviões, diria a lacrimejante Mayume.

Homens não foram feitos para ficar em casa. Mofam. Viram um encosto. Daí minha predileção por suas ausências, Tony – voluntárias ou não. Nós, mulheres, é que somos as guardiães da lareira, enquanto os voluntariosos Hermes negociam dinheiro nas encruzilhadas. Homem caseiro ou é atormentado ou efeminado. Ponto. Se bem que essa minha crença pode ser apenas uma grande bobagem, retratando a forte influência dos seriados norte-americanos na psique da mulher latina. Como “Perdidos no Espaço”, por exemplo: as mulheres do filme nunca saíam da nave espacial. Ai. Deleta.

Não comentei nada antes sobre suas músicas porque sua ânsia em conhecer minha opinião a respeito me irrita profundamente. Só ratifica uma insegurança infantil que não combina nem um pouco com você, meu querido. Mas, tudo bem. Se você precisa dar um “up” em sua auto-estima por conta disso, que seja.

A primeira vez que ouvi “Foda-se se a platéia está gostando do meu blues”, pensei lisonjeada: ele fez pra mim. Você não é amador em nada que se meta a fazer, amor. Nada nada nada. Como um bom Hermes.

Beijos adocicados. Dolores.
Dolores, querida, ia te deixar um bilhete simples, muito simples, em cima da mesinha da sala dizendo o quanto estou feliz com a sua volta. Mas depois, sentado na mesa com a caneta quase arrombando o papel de tanta ansiedade, senti que você não merece bilhetes. Mais: não é mulher de bilhetes, para bilhetes, por bilhetes. Você é um longo e belo texto, Dolores. Afinal, não foi à toa que a elegi minha confidente e companheira, apesar da doce pancadaria que reina entre nós desde sempre ter sido o caminho que escolhemos para nos (des)entender, o que nunca entendi direito.

Quando você estava fora a casa parecia engolida por um vácuo de silêncio estranho, como se, sem você, os móveis, os lustres e até os avisos espetados em nosso painel de cortiça denunciassem a falta de vida por aqui. Saí de casa pensando porque você está muito longe de ser uma mulher que gosta de falar. Ao contrário, tudo o que acontece com você está em conspiração com o silêncio e com a esperança. O seu silêncio, o seu jeito de sorrir como Monalisa, já me tirou dos eixos várias vezes. Creio que já escrevi um porrão de vezes sobre isso, mas fazer o que se o tema volta à minha cabeça com frequência, e me deixa meio descaralhado. O que quero dizer é como eu senti vácuo de silêncio sem você se com você esse mesmo silêncio impera? Caralho, você muitas vezes sequer me diz que horas são, se está calor lá fora, enfim, assuntos triviais de qualquer (?) casal que se preste. Até o dia que você mandou a primeira carta, eu respondi, e começamos a nos relacionar por escritos zilhões de vezes melhor do que via oral.

Aí você vai dizer "ah, meu chapa, se você acha que isso é se relacionar tás fodido" , o que não é verdade. Queira você ou não somos um casal (até segunda desordem) que corre em busca de si mesmo. Confesso que nem eu mesmo entendi essa frase. Mas somos, sim, um casal que passa os dias e as noites correndo atrás do rabo e num ponto acertamos. Ao nos relacionarmos via texto nunca mais deixamos de dizer o que pensamos e sentimos ao outro. Na lata. No limbo. Verdade crua e nua. E, dizem, isso faz bem. Não faz? Se não faz, faz o que Dolores? O bem, o mal, o bom, o mau. Puta merda, essas encruzilhadas estão sempre no meio do caminho. E viver é romper essas encruzilhadas ao som do "foda-se se a platéia está gostando do meu blues". Ah, essa música. Uma das poucas canções que compus pra você e você, como sempre, nunca opinou sobre ela.

O que você acha de minhas músicas, mesmo sabendo que sou amador, que meu negócio é pilotar aviões? Sobre ser comandante de jatos comerciais você uma vez disse que "acho uma delícia porque você passa um bom tempo fora de casa". Mas foi só essa a razão, Dolores? Você não se orgulha de mim, do que faço e, eventualmente, das músicas que componho pra você? Sei que você adora jogar sinuca com a minha auto-estima, mas dá para responder se quando uma amiga sua pergunta o que faço e você responde "ele é comandante de jatos comerciais" pinta uma pontinha de orgulho? Ou você não diz nada, muda de assunto porque não me acha tema para uma conversa agradável?

Nem vem, hoje não estou chato não. Estou apenas com calor. E, quer saber? Doido para entrar na cabine a 22 graus e ir para a Ásia, imaginando que você conclua que é impossível viver sem mim. De vez em quando essa idéia passa por minha cabeça. É quando a auto-estima passa dos 10 mil pés de altitude. Mas quando está a menos de 7 mil, sai de baixo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Hoje eu gostaria de ser outra pessoa. Já se sentiu assim? Algumas vezes esse enjoo auto direcionado toma conta de minhas sensações mais íntimas. E penso em Marcelle – você cisma com essa história. Não, ela não é apaixonada por mim. Então penso no seu sorrisão que sempre chega aos lugares antes dela... E também penso em suas variações de humor que insistem em apagar esse mesmo sorriso. Olhar distante, suspiro intermitente... Um pé na realidade tão absurdamente afundado nos desmandos do mundo que chega quase mesmo a se tornar algo virótico. Contagioso.

Tentei me afastar de Marcelle com medo de pegar sua moléstia crônica: falta de ilusão, de esperança e gosto, somadas a uma ironia muitas vezes irritante e ao mesmo tempo divertida. Tentei, mas não consegui. Meu instinto maternal, desprovido de maternidade que o valha, falou mais alto.

E você há de perguntar. E o que isso tem a ver com querer ser outra pessoa? Tudo, meu querido. Porque sendo eu outra pessoa, não me preocuparia mais com ela.

Na Poison, passada a emoção inicial diante das mazelas lacrimejantes de Mayume e olhando bem mais de perto, não vi em nenhum de seus relatos existenciais a dor que vejo por detrás dos olhos de Marcelle. Mesmo quando sorri. Ou mesmo quando gargalha em festas.

E é esta dor, Tony, o que nos torna tão próximas, a ponto de você enxergar sedução onde só existe solidão. Solidão tantas vezes gritada, discutida, incompreendida, silenciada em longas noites de vazio e escuridão regados a gim.

Não fui com ela. Ligou pedindo que eu viesse. Mas a dor de existir só a vontade cura. Volto sem ela. Saudades de você, Tony. Beijos. Dolores.
Minha Dolores, Mayume chegou cheia de sofreguidão. Lembro bem. Sentou-se devagar numa mesa ao lado da nossa, abriu um livro e, enquanto lia, usando óculos de grau com lentes escuras, não conseguia esconder o choro compulsivo. Apesar de ser uma japa, ou nissei, sansei, não sei. Digo "apesar de" porque as japonesas sofrem mais caladas do que as felinas quando escorraçadas dos muros cheios de arames farpados por machos mau humorados ou feridos. Fisicamente. Visto que, os animais irracionais não sofrem de crises existenciais.

Em determinado momento você se levantou para ir lá dentro (atender ao celular) e, sem mais nem porque, Mayume olhou para mim e disse "desculpe-me". Eu perguntei de que e ela começou a falar. Você voltou, sentou e ela continuou a falar sobre buracos na alma, vazios, medos, faltas de perspectivas...foi quando notei que uma lágrima escorreu no canto esquerdo do seu rosto, Dolores. E para esconder você abriu a bolsa e pegou seus óculos escuros. Mayume prosseguia. Voz baixa, tom mais para agudo do que para grave. Falava de injustiças que nós, pessoas físicas, sofremos quase que diariamente e que de repente, sem mais nem porque, somos levamos por uma onda de exaustão que não se vê em mar nenhum. Nem no mar do Japão. Foi a minha vez de sentir lágrimas nos olhos e sorver cada segundo do silêncio que nos tomou. Os três. Não sei explicar e, sinceramente, não quero nem entender que sinergia maluca foi aquela. Eu, uma asiática (que como toda asiática não sabemos se ri ou chora) e você, dissimulada, numa estranha mesa de um estranho bar de uma mais estranha cidade ainda, compartilhando crises.

Não abri minha mochila para pegar meus óculos escuros porque não sinto vergonha de minhas gargalhadas e muito menos de meu suplício. Mas é fato, e não boato, que os três estávamos mesmo sorvendo uma crise existencial. Sim, eu sei, como numa granja. Cada um no seu poleiro, cada um pensando nas suas coisas, mas os três derramando lágrimas discretas na calçada da Poison, conhecida na região como calçada da má fama. A partir daí concordo com você que de companheira de convés lacrimoso, Mayume alçou a condição de jogadora. Eu, fragilizado, quase caí, mas você, arisca, percebeu e desfez o sushi antes que do caos se fizesse o cosmos. Mesmo que, por 15 minutos, aquela japa-nissei-sansei-não sei marcou, com batom, sua importância em nossas vidas. Mesmo tocando naquela rádio de flash back "Não precisa chorar/é seu somente seu meu coração", nós dois abrimos nossas represas. Mayume? Não sei. Não sei se suas lágrimas eram movidas a verdade ou não passavam apenas de combustível de sedução.

Fico feliz em saber que sua prima passa bem. O que ela teve afinal? Vocês foram juntas para aí? E, espero, vão voltar juntas também. Como ela sempre foi apaixonada por você achei que tivesse ocorrido alguns stress agudo, por razões que não me cabem especular já que, como você sabe, em briga de mulher não sou louco de meter a colher. Preservação, baby. Preservação. Aqui está o maior mormaço. Nas ruas, nos morros, no meu peito. Saudade de você. Daqui a pouco pego o aeroplano, mas volto amanhã à tarde. Mania. Por que essa mania de ficar lhe dando satisfações? Sei lá, linda. Sei lá. Beijos do Tony.

domingo, 8 de novembro de 2009

Sim, meu amor, eu gosto de ser dissimulada. Satisfeito? Meu lema, aliás, é o mesmo do Garfield: "Se não pode convencê-los, confunda-os." Sinceramente, meu bem, não entendo porque você precisa que eu confesse meu gosto pelo escorregadio, pelas noites de gatos todos pardos... estamos há tanto tempo juntos. Há coisas subjacentes à relação. Não precisam ser ditas. Fazem parte do pacto silencioso ritualizado no dia-a-dia amoroso.

Sei - estou cansada de saber - que você não gosta de garotas de programa, Tony! Não disse que ela era, disse? Mania de distorcer os fatos pra se defender... coisa de homem, enfim. Eu disse "metida a garota de programa", o que é bem diferente e muito pior. Antes fosse. Teria mais o meu respeito.

Vou refrescar sua memória, querido. A Mayume era aquela propagandista nissei que conhecemos na Poison, lembra? Ela nos ofereceu um drink chamado Green Island - por sinal, você odiou porque um dos ingredientes era o Curaçau Blue - e depois nos convidou para conhecer a casa dela. Mas você não quis. O problema dessazinha era bancar a moça de família com problemas existenciais, coitadinha... e você cheio de peninha dela... ah, vai se catar. Situação mais detalhada que essa, impossível. Se não lembrar agora, procure um médico.

Certamente, se eu tivesse de escolher, preferiria ser a escrava e não a mulher de engenho. Pelo simples fato de ter, na pele de uma escrava, a possibilidade de fuga a meu favor. Sinhá Moça? Nem pensar. Não, mesmo.

E tá bom, então. Pode falar de mágoas passadas à vontade. Eu aguento. Prometo não denominá-las de coisas mofadas. Ok?

Vem cá, você leu minha carta direito? Quando escrevi para você que não teria resposta, me referia ao trecho da sua carta que dizia: "(...) prometo que jamais vou te perguntar 'vai ou fica?' por uma razão muito simples: eu nunca estou preparado para ouvir a resposta." Entendeu, agora?

Aqui em Pirenópolis está um clima agradável. Minha prima se recupera bem. Espero voltar logo! Sem dramas, Tony! Beijos. Dolores.
Quer dizer que gostou do sonho da curra coletiva? Hum. Que não chegou a curra porque meu sonho foi apenas até os canapés populares, que você sempre gostou e atraiu. Não sei como até hoje você não foi copulada por uma multidão, sabe Dolores. O jeito como você anda meio toda dando, os aromas que você despeja pelas ruas das cidades fazem até os cachorros uivarem sem sentir dor, enfim, o pacote erótico que você carrega é capaz de fazer qualquer Maracanã ulular sem gol. Gol de futebol e não de genitálias sedentas copulando uma única cona, a sua. De quem mais seria?

Não estou lembrando da pernóstica garota de programa responsável pelo tríplice pé na bunda com bota de bruxa que relatei na carta anterior. Quem era? Você pode detalhar a situação, as envolvidas, enfim, sair do lugar comum de ficar soltando indiretas como estalinhos de quermesse quando hoje eu estou muito mais para cabeça de nêgo? Além do mais, você não lembra mas eu lembro, nunca gostei de garotas de programa. Não nego que gosto de táxi. Você pega, vai no ar condicionado, não tem problemas de estacionamento e tudo mais. Mas mulher de aluguel, não. Mulher só à vista. Cheque administrativo da Caixa Econômica. Opção de compra.

Se vivessemos na escravidão e eu fosse um senhor do engenho, você iria gostar de ser minha escrava? Ou simpatiza mais com a idéia de ser a mulher de engenho e ter a situação invertida na mão? Quanto a essa onda de que "dissimulada fica por minha conta" é porque quando uma pessoa vive nesse estado existencial (no caso você) em geral responde assim mesmo. "Fica por sua conta"; "coisa da sua cabeça"; "aí é problema seu". Que nada. Se você gosta de ser dissimulada, tudo bem. O que não entendo é fugir da confissão. Por que não confessa "sim, Tony, sou e gosto de ser dissimulada"?

Você diz "jamais me pergunte. Eu não teria a resposta". Perguntar o que? Pra que? Do que? Hoje você está mais escorregadia do que curativo de dente mascando caramelo Petrópolis. Ou vai dizer que caramelo Petrópolis é coisa velha, cheira a mofo? Em outras palavras, nossa troca de correspondência está subordinada a modernose? Desde quando? Você nunda me falou nada sobre isso. É por essas, e não por outras, que volta e meia sinto uma enorme dificuldade de te entender. Aí você vai dizer que te entender não é necessário porque seus olhos já são explícitos o suficiente. Verdade. Seus olhos são bastante explícitos mas não a ponto de transformarem imagens em verbos. Aí seria demais minha Dolores.

Como está o tempo aí? Faz calor, frio, mais ou menos? Como vai sua prima? Melhorou daquilo? Eu disse que não era nada demais e você ficou puta comigo. Pra variar. Sua idéia é voltar quando, já que nem bilhete você me deixou quando fez as malas e partiu? Ou corre nas suas artérias o desejo de não voltar? Aguardo. Beijos, Tony.