quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Dolores, querida, ia te deixar um bilhete simples, muito simples, em cima da mesinha da sala dizendo o quanto estou feliz com a sua volta. Mas depois, sentado na mesa com a caneta quase arrombando o papel de tanta ansiedade, senti que você não merece bilhetes. Mais: não é mulher de bilhetes, para bilhetes, por bilhetes. Você é um longo e belo texto, Dolores. Afinal, não foi à toa que a elegi minha confidente e companheira, apesar da doce pancadaria que reina entre nós desde sempre ter sido o caminho que escolhemos para nos (des)entender, o que nunca entendi direito.

Quando você estava fora a casa parecia engolida por um vácuo de silêncio estranho, como se, sem você, os móveis, os lustres e até os avisos espetados em nosso painel de cortiça denunciassem a falta de vida por aqui. Saí de casa pensando porque você está muito longe de ser uma mulher que gosta de falar. Ao contrário, tudo o que acontece com você está em conspiração com o silêncio e com a esperança. O seu silêncio, o seu jeito de sorrir como Monalisa, já me tirou dos eixos várias vezes. Creio que já escrevi um porrão de vezes sobre isso, mas fazer o que se o tema volta à minha cabeça com frequência, e me deixa meio descaralhado. O que quero dizer é como eu senti vácuo de silêncio sem você se com você esse mesmo silêncio impera? Caralho, você muitas vezes sequer me diz que horas são, se está calor lá fora, enfim, assuntos triviais de qualquer (?) casal que se preste. Até o dia que você mandou a primeira carta, eu respondi, e começamos a nos relacionar por escritos zilhões de vezes melhor do que via oral.

Aí você vai dizer "ah, meu chapa, se você acha que isso é se relacionar tás fodido" , o que não é verdade. Queira você ou não somos um casal (até segunda desordem) que corre em busca de si mesmo. Confesso que nem eu mesmo entendi essa frase. Mas somos, sim, um casal que passa os dias e as noites correndo atrás do rabo e num ponto acertamos. Ao nos relacionarmos via texto nunca mais deixamos de dizer o que pensamos e sentimos ao outro. Na lata. No limbo. Verdade crua e nua. E, dizem, isso faz bem. Não faz? Se não faz, faz o que Dolores? O bem, o mal, o bom, o mau. Puta merda, essas encruzilhadas estão sempre no meio do caminho. E viver é romper essas encruzilhadas ao som do "foda-se se a platéia está gostando do meu blues". Ah, essa música. Uma das poucas canções que compus pra você e você, como sempre, nunca opinou sobre ela.

O que você acha de minhas músicas, mesmo sabendo que sou amador, que meu negócio é pilotar aviões? Sobre ser comandante de jatos comerciais você uma vez disse que "acho uma delícia porque você passa um bom tempo fora de casa". Mas foi só essa a razão, Dolores? Você não se orgulha de mim, do que faço e, eventualmente, das músicas que componho pra você? Sei que você adora jogar sinuca com a minha auto-estima, mas dá para responder se quando uma amiga sua pergunta o que faço e você responde "ele é comandante de jatos comerciais" pinta uma pontinha de orgulho? Ou você não diz nada, muda de assunto porque não me acha tema para uma conversa agradável?

Nem vem, hoje não estou chato não. Estou apenas com calor. E, quer saber? Doido para entrar na cabine a 22 graus e ir para a Ásia, imaginando que você conclua que é impossível viver sem mim. De vez em quando essa idéia passa por minha cabeça. É quando a auto-estima passa dos 10 mil pés de altitude. Mas quando está a menos de 7 mil, sai de baixo.

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