sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Ah, o universo à parte de Camus. Bem lembrado. Às vezes me sinto como os personagens dele. Mas quem já não se sentiu assim? A vida é cheia de cenas absurdas, labirintos, caminhos sem volta, surpresas, mesmice. E a liberdade, Tony, ou sua ilusão de tê-la, só não me comove porque ela acaba sendo sua própria prisão. O que é a liberdade, afinal? “Minha própria liberdade não é livre: corre sobre trilhos invisíveis”, diz Clarice (Lispector). Com a sabedoria dos angustiados. De Clarice a Mansfield.

Lembro da primeira vez que brigamos feio. Você terminou comigo ou, pelo menos, foi assim que entendi na ocasião. Eu chorava. Chorava copiosamente sem hora ou lugar. No ônibus, no metrô... Nos momentos mais críticos, refugiava-me em alguma igreja porque como dizia madre Agnes, a sempre divertida madre Agnes: "a igreja é o único lugar em que você pode chorar sossegada sem ninguém perguntar por quê." Ai, ai. Muito alegre madre Agnes.

A imagem de navios era-me indiferente até um colega do ballet mudar totalmente o sentido do que comumente via. Ao passar pela ponte e enxergar velhas embarcações ancoradas na baía, meu olhar captava somente lixo, carcaças. Uma visão, de certa forma, desagradável. Foi quando esse meu amigo disse: “acho tão lindo esses navios ancorados... a impressão que tenho é que estão enraizados numa gelatina azul... lindo.”

Pronto. Desde então, minha sensação diante deles mudou para sempre. A leitura poética do meu amigo transformou meu olhar desprovido de lirismo em uma tela de Van Gogh.

Às vezes, Tony, tenho medo por você. Temo que você seja apenas um barco ancorado sonhando que navega.

Beijos. Dolores.

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