segunda-feira, 31 de janeiro de 2011


Afetos não se encerram... De onde tirou isso, Tony, do hino à bandeira? Haha. Afetos mudam, viram outra coisa, mas não encerram, meu caro. Não, mesmo. O sinal indelével do que se viveu com a intensidade que nós vivemos fica. Fica, meu amor. Em algum canto esquecido da casa. No porta-luvas do carro... na emoção repentina de te ver sem ser vista... Entenda como queira. Mas, fica.

E, um dia, sem que estejamos procurando... enquanto organizamos papéis dentro do armário ou catando uma lanterna enguiçados na estrada, ele pula diante de nossos olhos feito uma aparição. Uma estrela. Um milagre.

Só os verdadeiros amantes encontram o que não buscam sem almejar. Só amantes como nós ultrapassam a vastidão do tempo não contado da própria história. A lógica, a moral do mundo que jamais abraçamos.

Essa história não cessa nem mesmo quando acaba, honey. Essa história não cessa nem quando nos afasta. Essa história não cessa, meu bem.

Essa história não cessa.
Sua, Dolores.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Dolores, o golpe da surpresa me deixou meio zonzo. Não esperava que você desse sinais. Nunca mais. Mas, como boa mulher, você é mais imprevisível do que a chegada de um tornado. Desses inexistentes, que rondam a baixada fluminense como se fossem reais. Tem cara de tornado, pinta de tornado, roupa de tornado, mas por razões científicos não são tornados.

Não vou negar que fiquei comovido com sua carta. Claro que fiquei. Especialmente quando você reabre meus sonhos, relembrando a cor púrpura do nosso amor, que foi ficando nublado, nublado e acabou sem chover. Dolores, não merecíamos acabar no mormaço que invade os onibus sem ar condicionado, os telhados de zinco, as paixões de amianto. Mas fato é que assim quisemos e assim concluímos nossa trajetória, por mais que você a chame de ciclo.

Você pergunta se lembro de nosso amor. Como esquecer esse flanco tão profundo em minha existência. Como esquecer de nossos beijos de verão, à sombra de árvores que abrigavam cantos de sabiás, bentevis e sanhaços, que pareciam celebrar conosco, enquanto que na calçada os olhos censores e repugnantes nos despiam com nojo, horror? Como esquecer? Claro que não, Dolores.

E se você tivesse descido do tal onibus e entrado no salão do barbeiro, surfando seus ímpetos adolescentes, eu reagiria emocionado. Claro que sim. Porque, como disse no início desta missiva, não esperava saber de você nunca mais. E se você trocasse uma leve dose de prosa comigo, poderíamos, em seguida, sentar num bar para não mais nos reconhecermos como os personagens que nós mesmos descrevemos em nosso passado. Não há mais sabiás, não há mais bentevis, não há mais árvores confortáveis e a Dolores e o Tony são outros. Ainda assim, são Tony e Dolores, com muita honra.

Durante anos você monopolizou meu coração. E sabe disso. Hoje, lendo sua carta, percebo que o monopólio se transformou em duopolio. Dolores e Dolores. Distintas, radicalmente diferentes, belas, gostosas e amantes. Definitivamente não há como interpretar, ao pé da letra, os códigos do sistema nervoso central quando o tema é afeto. Afeto que se encerra.
Beijos, Tony.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011


Eu o vi no barbeiro esses dias. Vi do ônibus. Sentado feito um menino enquanto um senhor de cabelos brancos preparava no balcão a navalha. Em outros tempos, teria saltado e lhe feito uma surpresa, esquecendo o trabalho, os compromissos... “que se dane a hora” - pensaria em outros tempos.

Mas, em vez disso, contive meus remotos ímpetos adolescentes e apenas olhei. Você sentado, de avental branco, se olhando no espelho com ar de menino que espera almoço que eu não preparei. Ah, esse meu maldito e irrefreável instinto maternal...

Por algum motivo que vá lá saber, Love, Reign O’er Me do The Who veio a minha mente como um raio. O refrão, a bateria final, a guitarra, os aplausos.

O ano em que fomos felizes.

A vitrola repetindo a faixa do vinil pra lá de surrado – presente de aniversário. A agulha penetrando o sulco, penetrando penetrando no mesmo ritmo alucinante do nosso amor. Tempos de amor no tapete da sala, na escada do prédio, encostada à janela escancarada, de madrugada, à mercê de vizinhos insones. À mercê de nós mesmos, suspensos, estátuas flutuantes no azul da escuridão. Os ponteiros emperrados do relógio.

O tempo parava pra nós. Lembra?

Naquele tempo, aliás, nem passava ônibus nessa rua. Nossa cidade era só nossa. Nossa, de mais ninguém. Quase não havia prédios... Lembra?

Lembra do nosso amor? Lembra?

Eu não esqueço.
Sua, Dolores.